Da Prescrição da Pretensão Punitiva no Código Penal

AutorIrving Marc Shikasho Nagima
CargoEspecialista em Direito Criminal. Assessor de desembargador
Páginas28-34

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Introdução

Trata-se da análise do instituto da prescrição, na modalidade da pretensão punitiva, isto é, antes do trânsito em julgado para as partes. Não será abor-dada a prescrição da pretensão executória e elementos conexos a esse conceito, bem como a prescrição nas legislações criminais especiais, tais como Lei de Drogas, Lei da Imprensa, Lei de Falências etc.

Pois bem, a prescrição surge como uma garantia do cidadão contra o poder-dever do Esta-do de punir aquele que pratica um delito. Em outras palavras, o instituto limita o jus puniendi estatal, obrigando-o a agir em determinado lapso tempo-ral, deinido em lei, sob pena de perder esse poder/dever de punibilidade.

Assim, se de um lado nasce para o Estado o poder-dever de punir aquele que pratica o ato criminoso, de outro lado, deve-rá exercê-lo em certo período "dentro do qual o Estado estará legitimado a aplicar a sanção penal adequada" (Bitencourt, 2007, p. 715). No entanto, decorrido o prazo, essa pretensão punitiva estará prescrita.

Conceito

Então, pode-se conceituar a prescrição como sendo forma de extinção de punibilidade do agente pela perda da pretensão de punir o sujeito ativo do delito ou de executar essa punição, ante o decurso do prazo legal, pela inércia do Estado. Ou, nas palavras de Fernando Capez, a "perda do direito-poder-dever de punir pelo Estado em face do não exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo" (2007, p. 572).

Diante da inércia estatal em exercer seu poder/dever punitivo, por certo lapso temporal, descrito em lei, não poderá mais punir (prescrição da pretensão punitiva) ou executar (prescrição da preten-são executória) a pena em relação ao autor de determinado delito, extinguindo-se a possibilidade de repressão penal pelo crime prati-cado. Portanto, conclui-se que são requisitos da deinição do instituto da prescrição: a) atinge o direito/ dever de punir do Estado; b) em face do decurso de tempo; c) pelo não exercício da pretensão puniti-va ou executória.

Natureza jurídica

A natureza jurídica da prescrição, consoante entendimento majoritário, é de direito material, forma de extinção de punibilidade do agente, consistindo em matéria de ordem pública, isto é, pode ser arguida em qualquer fase do processo e em qualquer momento, inclusive de ofício.

No sentido de se tratar de matéria de ordem pública, eis precedente do Superior Tribunal de Justiça: "A questão da prescrição da pretensão punitiva estatal é matéria de ordem pública que não exige o prequestionamento para que seja declarada de ofício em

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qualquer fase do processo" (AgRg no REsp 1264633 / RO. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 16.12.2013).

Em que pese existam teorias diversas sobre a natureza jurídica do instituto (mista ou processual), a sua natureza é essencialmente material, muito embora a sua aplicação, no caso concreto, traga con-sequências que interiram na ação penal e na condenação. Delmanto et alii, corroborando com o posicionamento dominante, lecionam que "o próprio CP declara que a prescrição é causa de extinção de punibilidade e esta pertence ao direito material e não ao processual. Embora a doutrina não seja unânime a respeito, ela atribui franca preponderância ao caráter material da prescrição penal" (2010, p. 404).

Fundamentos

Como já exposto no introito, a prescrição originou-se da necessi-dade de impor limites ao poder punitivo do Estado, sendo verdadeira garantia fundamental ao cidadão. Como o tempo faz desaparecer o interesse social de punir, os fundamentos que sustentam essa legitimidade da prescrição penal são manifestamente políticos.

Rogério Sanches, citando Bitencourt, aponta quatro principais fundamentos: "(A) o decurso do tempo leva ao esquecimento do fato; (B) o decurso do tempo leva à recuperação do criminoso; (C) o Estado deve arcar com sua inércia; (D) o decurso do tempo enfraque-ce o suporte probatório" (Cunha, 2013, p. 292).

Não muito diferente, porém, dando nome aos bois, Dotti jus-tiica a prescrição pelas seguintes teorias: "a) teoria da prova (com a perda de substância da prova, desaparece a possibilidade de uma sentença justa); b) teoria da readaptação social (deve-se presumir a emenda do infrator que durante um tempo mais ou menos longo não tenha cometido outro crime); c) te-oria da expiação moral (presume-se que o remorso e as atribulações sofridas pelo delinquente no curso do tempo da prescrição caracterizam um substituto da pena); d) teoria do esquecimento (a sociedade, com a passagem do tempo, esquece o crime de maneira que a reação penal perde um de seus objetivos e que consiste na intimidação coletiva); e) teoria da analogia civilística (aquisição de um direito à impuni-dade pela inação dos órgãos do es-tado responsáveis pela apuração do crime e punição do autor)" (2010, p. 771).

Diferença com perempção e decadência

A decadência é, também, forma de extinção da punibilidade do agente. Consiste na perda do direito de ação do ofendido em razão do decurso do prazo legal (seis meses). Não está sujeita à interrupção ou suspensão, e está prevista no ar-tigo 103 do Código Penal e 38 do Código de Processo Penal. Assim, a decadência atinge diretamente o direito de ação, ocorrendo somente em relação à representação ou à queixa-crime, antes de iniciada a ação penal pública condicionada ou privada. Sobre a decadência, remeto a leitura do artigo "Da decadência no direito criminal" de minha autoria, publicado em vários sites jurídicos.

Por sua vez, a perempção é a perda do direito de continuar ação penal privada, pela inatividade processual do querelante, cujas causas estão previstas no artigo 60 do Código de Processo Penal (deixar de promover o andamento do processo por trinta dias, inexistência de representante do quere-lante após sessenta dias, deixar de comparecer a ato de processo ou formular pedido de condenação nos memoriais, extinguir a pessoa jurídica querelante sem sucessor). Deste modo, a perempção atinge o direito de prosseguir na ação, isto é, só ocorre após iniciada a ação penal privada.

Imprescritibilidade

Pacíico na doutrina que o cri-me de racismo (Lei 7.716/89) e a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o estado democrático (Lei 7.170/83) são imprescritíveis, ex vi do disposto do artigo 5º, incisos XLII e XLIV, da Constituição Federal.

A discussão limita-se ao caso do crime de tortura, isto é, se o crime de tortura é ou não imprescritível. Parte da doutrina (minoritária) entende que o crime de tortura é imprescritível, pois previsto no artigo 29, combinado com o artigo 7º, n. 1, alínea "f", do Estatuto de Roma, ao qual o Brasil aderiu (Decreto 4.388/02). Entretanto, a parte majoritária entende que "não pode o legislador (nem mesmo através de emenda consti-tucional) criar outras hipóteses de imprescritibilidade porque a prescrição é uma garantia fundamental do cidadão contra o Estado" (Cunha, 2012, p. 292). Destarte, em que pese posicionamento contrário, em se tratando de cláusula pétrea, que restringe os direitos fundamentais do cidadão, não é possível ser ampliada, diante de seu núcleo intangível.

Prazos

Em se tratando de regra de direito material, a prescrição é conta-da nos termos do artigo 10 do Código Penal, ou seja, conta-se o dia do começo e exclui o dia do im, computando os meses e anos pelo calendário comum.

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Em relação aos prazos legais, isto é, o lapso temporal que deve transcorrer para haver a prescri-ção, o artigo 109 do Código Penal descreve que para pena privativa de liberdade: a) menor que um ano, a prescrição ocorre em três anos; b) de um ano, inclusive, até dois anos, a prescrição se dá em quatro anos; c) maior que dois anos, até quatro anos, inclusive, o crime prescreve em oito anos; d) maior que quatro até oito anos, inclusive, a prescrição é de doze anos; e) maior que oito anos até doze, inclusive, há prescrição em dezesseis anos; e f) maior que doze anos, a prescrição ocorrerá em vinte anos.

Em breve parêntesis, anote que a prescrição da pretensão punitiva reger-se-á pelo máximo cominado para a pena privativa de liberdade do crime incorrido, salvo quando já pronunciada a pena em concreto na sentença. Isto é, para veriicar qual o prazo prescricional utili-zado, deve-se utilizar como base, regra geral, a pena máxima pre-vista no tipo penal...

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