A eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de emprego: análise das dispensas coletivas

AutorGuilherme Lissen Bezerra Henrique da Rocha e Oyama Karyna Barbosa Andrade
Páginas410-427

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Ver notas 1 y 2

1. Intodução

O presente artigo tem como objetivo verificar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de emprego, mais especificamente, em casos de dispensa coletiva promovida pelo empregador sem prévia negociação coletiva com o sindicato profissional.

Inicialmente, apresenta-se um resumido excurso teórico acerca do conceito de direitos fundamentais e sua positivação ao longo da história, com vistas a introduzir a matéria central objeto deste trabalho.

Em seguida, abordam-se as teorias da eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais, tratando da aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares e, posteriormente, discorre-se a respeito da eficácia dos direitos fundamentais sociais.

Por fim, adentra-se no objeto do presente estudo, com o exame da eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de emprego. Levantam-se, brevemente, algumas questões importantes desse debate na seara das relações individuais de trabalho.

No campo do direito coletivo, verifica-se a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, nos casos de dispensa coletiva de empregados. O estudo baseia-se na análise da jurisprudência, especialmente de três casos levados à apreciação do Poder Judiciário, nos quais se discutiu a legalidade das dispensas em massa efetuadas pelas empresas sem negociação prévia com o sindicato profissional.

2. Histórico e definição de direitos fundamentais: as três dimensões

Na língua portuguesa, a palavra fundamental remonta à ideia de "fundamento", de "alicerce", "base" para alguma coisa. É entendida como aquilo "que tem caráter essencial e determinante; básico, indispensável"3.

Na seara jurídica, diversos autores enveredaram-se no ofício de estabelecer um conceito de direitos fundamentais4.

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Paulo Bonavides, a partir do critério formal estabelecido por Carl Schimit, define direitos fundamentais como sendo "aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança"5. Robert Alexy os define como sendo "posições que são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples"6. Friedrich Müller os conceitua como "garantias de proteção, substancialmente conformadas, de determinados complexos de ações, organizações e matérias, individuais e sociais"7. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins consideram os direitos fundamentais como sendo:

Direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual8.

Por fim, Ingo W. Sarlet conceitua direitos fundamentais como sendo:

Todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal9.

Desse modo, os direitos fundamentais constituem direitos e garantias do ser humano inseridos nas Constituições e tidos por relevantes para determinada sociedade, com vistas a impor uma postura negativa frente à liberdade individual e também a exigir prestações que assegurem a realização do bem-estar coletivo.

Os direitos fundamentais não são estáticos. Sofreram transformações10 de conteúdo e titularidade ao longo da história, o que revela tratar-se de categoria materialmente aberta e mutável11, em constante processo de construção e reconstrução12. Tal evolução foi impulsionada por lutas em defesa de novos direitos, liberdades e valores em face dos poderes antigos13.

Segundo leciona Ingo W. Sarlet:

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Na esfera do direito constitucional interno, esta evolução se processa habitualmente não tanto por meio da positivação destes ‘novos’ direitos fundamentais no texto das Constituições, mas principalmente em nível de uma transmutação hermenêutica e da criação jurisprudencial, no sentido do reconhecimento de novos conteúdos e funções de alguns direitos já tradicionais14.

Nesse contexto, podem-se identificar três15 dimensões16 de direitos fundamentais, cada uma representando um momento histórico característico dos anseios reivindicatórios sociais e que traduzem um processo cumulativo e qualitativo17 na formação e concretização desses direitos.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são os de inspiração jusnaturalista e iluminista da burguesia liberal dos séculos XVII e XVIII18, a qual se levantou contra os excessos do Estado absolutista monárquico, cada vez mais opressor, violento e dominador. De conotação individualista, com enfoque na valorização do homem-singular19, nota marcante do Estado Liberal20, esses direitos foram concebidos como instrumento de defesa do indivíduo frente ao Estado, com viés negativo, pois voltados para uma abstenção estatal. Integram essa categoria os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade.

Nas palavras de Paulo Bonavides:

Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado21.

Entretanto, os direitos fundamentais de primeira geração, a despeito de estarem inseridos nas Constituições, não foram suficientes para garantir uma melhor condição de vida aos cidadãos. A partir do século XIX, em decorrência do intenso processo de industrialização, dos problemas sociais e econômicos que assolavam as nações e da sequência de duas Guerras Mundiais, surgiram movimentos reivindicatórios que exigiam atuação positiva do Estado para a efetivação da justiça social22. Fez-se necessário proteger direitos além da esfera individual, alcançando a sociedade como um todo. Dessa forma, mudou-se o foco e as atenções deixaram de estar no indivíduo e centraram-se na coletividade23.

Esse período consagrou a conformação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, os chamados direitos sociais24, que se caracterizam por "outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência

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social, saúde, educação, trabalho"25. Conforme esclarecem Andrey Borges de Mendonça e Olavo Augusto V. A. Ferreira26, "não se exige mais uma abstenção e sim prestações, obrigações de fazer, colocando o Estado em posição diametralmente oposta àquela dos direitos de primeira dimensão"27. Inserem-se nessa classificação os direitos à saúde, ao bem-estar, à educação, à moradia, ao trabalho etc.

No século XX, esses direitos fundamentais foram reconhecidos em maior número de Constituições, notadamente no período pós-Segunda Guerra Mundial, destacando-se as Constituições do México de 1917, da Alemanha (Weimar) de 191928 e de Portugal de 1976. Nesse contexto, consolidou-se o modelo do Estado de Bem-Estar Social em quase todos os países da Europa Ocidental. Ocorre que, malgrado o levante pelo reconhecimento desses direitos, predominava a percepção de que somente os direitos da primeira dimensão possuíam aplicabilidade imediata, relegando os direitos sociais à incidência mediata, pela via do legislador29.

As crescentes desigualdades econômicas, sociais e culturais entre os países fez emergir, no final do século XX, a necessidade de se buscar uma nova base para os direitos fundamentais. Nesse cenário, surgiram os direitos fundamentais da terceira dimensão, assentados nas ideias de fraternidade e solidariedade30. Com isso, em lugar do indivíduo como titular de direitos, ganha destaque a proteção de grupos coletivos, muitas vezes indefinidos e indetermináveis.

Inserem-se nessa dimensão os direitos à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade, à comunicação. São denominados direitos de solidariedade ou fraternidade em virtude de sua irradiação para além do indivíduo (transindividual), podendo demandar esforços até mesmo em nível mundial para sua efetivação.

Sob esse novo paradigma, afirmou-se o Estado Democrático de Direito, calcado nos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.

É importante ressaltar que a distinção entre dimensões de direitos fundamentais visa apenas a demonstrar os diferentes valores que os grupos sociais julgaram relevantes em determinado momento da história e a forma como esses evoluíram. Os direitos de cada dimensão persistem válidos, ainda que seus conteúdos sofram a influência das novas concepções jurídicas e sociais, adaptando-se a elas, numa constante interação a evidenciar o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo31.

No Brasil, a Constituição da República de 1988 estabelece os direitos fundamentais no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), elencando-os entre Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 5º), Direitos Sociais (arts. 6º a 11), Nacionalidade (arts. 12 e 13), Direitos Políticos (arts. 14, 15 e 16) e Partidos Políticos (art. 17). Contudo, esse rol não é taxativo e outros direitos fundamentais podem ser encontrados ao...

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