O direito fundamental à informação nas negociações coletivas trabalhistas: breves apontamentos para sua efetividade no Estado Democrático de Direito

AutorMurilo Rodrigues Coutinho
Páginas380-393

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Ver nota 1

1. Introdução

As negociações coletivas de trabalho constituem historicamente um meio de pacificação dos conflitos surgidos entre capital e trabalho, tendo sido reconhecidas desde os paradigmas de Estado Liberal e de Estado Social de Direito. A Constituição Federal brasileira de 1988, ao instaurar o paradigma de Estado Democrático de Direito, igualmente reconheceu as negociações coletivas de trabalho.

A forma e o conteúdo das negociações coletivas trabalhistas, entretanto, sofreram influências diversas dos paradigmas de Estado anteriormente adotados. A normatização infraconstitucional sobre o tema, a propósito, data fundamentalmente de 1946, período que na história política brasileira marca a adoção de um modelo de Estado Social de Direito sem gozo das liberdades democráticas.

Nesse cenário, cumpre realizar uma breve compreensão da formação histórica das negociações coletivas trabalhistas brasileiras para, então, considerar o tratamento conferido pelo Direito Constitucional do Trabalho brasileiro contemporâneo, em especial ao direito fundamental à informação nas negociações coletivas trabalhistas, a contribuir para a resolução democrática dos conflitos trabalhistas.

2. Os paradigmas de Estado e sua influência no dimensionamento de aspectos extrajurídicos das negociações coletivas

O paradigma de Estado Social de Direito surgiu em contraposição ao modelo de Estado Liberal, tendo por principal característica o reconhecimento e a atuação estatal com objetivo de intervir nas relações socioeconômicas. Sobre esse modelo, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado asseveram:

A prática intervencionista na economia foi considerada, pois, a melhor estratégia para regular os graves desequilíbrios proporcionados pela ação liberal, caracterizada pelo abstencionismo do Estado. Na nova ordem, o Estado passaria a assumir políticas públicas, de planejamento e de assistência social, embora não assegurasse a plena inclusão dos trabalhadores na riqueza social2.

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Adotado principalmente pelos países de capitalismo central, o paradigma de Estado Social de Direito teve seu apogeu entre os anos de 1945 a 1975, em que o Estado se tornou um grande administrador intervencionista, e o cidadão, a seu turno, uma espécie de cliente3.

Referindo-se também ao período de ascensão do paradigma de Estado Social no período do pós-Segunda Guerra, David Harvey afirma que, na Europa, "o Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura.4"

Desde então, o modelo de Estado Social de Direito na Europa passou a valorizar a liberdade sindical, que alçou ao status de direito fundamental constitucional enquanto parte de um projeto de Estado5.

Em análise do sistema de negociação coletiva, Christian Fölzer faz uma interessante afirmação: o advento do Paradigma do Estado Social de Direito provocou a realocação de parte das responsabilidades pela solução dos conflitos de interesses trabalhistas, tirando-lhes da esfera microeconômica para a esfera macroeconômica. Assevera, a propósito:

Isto [o paradigma de Estado Social de Direito] permitiu que os conflitos sociais fossem amplamente removidos do nível microeconômico. Em vez disso, os anseios coletivos de negociação passaram a ser realizados em nível de política estatal. [...] De acordo com esta abordagem, bem-estar social, transferências de renda, mas também compromissos de redistribuição de aumento no setor público conduzem a mais de segurança, de modo que a renda pura do trabalho para a população já não ocupa o papel que iria, sem redistribuição, desempenhar. Assim, há uma ligação direta entre a redução de ameaças de greve por parte dos sindicatos e uma expansão do Estado social6.

O modelo europeu conciliou, portanto, a liberdade sindical e as liberdades públicas democráticas. Aqui se nota uma importante função do Estado enquanto produtor de informação, pois ele atua no planejamento das diretrizes econômicas e atua por meio da tutela jurisdicional para execução dos acordos coletivos firmados entre empregadores e empregados.

Pode-se concluir daí que a negociação coletiva entabulada entre empregados e empregadores pode decorrer de um fator externo à atuação deles enquanto agentes socioeconômicos, ou seja, um fator macroeconômico como, por exemplo, uma política inflacionária ou cambial estatal mal conduzida. Nesse aspecto, Fölzer assinala:

As explanações macroeconômicas reconhecem a inflação e o desemprego como causas dos conflitos trabalhistas e, de outro lado, a explanação política assume que os conflitos laborais são resultados de distribuição injusta de resultados econômicos empresariais e uma expressão da assimetria de informações7. (grifos nossos)

Ora, se as informações foram produzidas pelo Estado e ele guarda os detalhamentos extrajurídicos (políticos e econômicos), essas informações são externas aos sujeitos das negociações coletivas e, portanto, públicas, o que permite que, em tese, ambas as partes saibam simetricamente os parâmetros que delimitarão a negociação.

Assim, indicadores macroeconômicos influenciam diretamente tanto a pauta das negociações quanto as forças dos entes negociantes para obtenção do acordo, pois há uma correlação somática entre o aumento das greves e desemprego

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produzidos por uma economia em crise, o que dificulta a disposição de empregadores de entrar em negociações nesses períodos8.

A natureza externa e pública da informação socioeconômica e jurídica objeto de negociação coletiva deslocou de tal forma a distribuição pela responsabilidade para fora dos sujeitos das relações de trabalho que o paradigma de Estado Social de Direito, por meio do qual é do ente público a maior responsabilidade pela pacificação social, que esta forma de distribuição mostrou-se estranhamente conciliável, também, com a ausência de liberdade sindical e de liberdades públicas democráticas. Nesse aspecto, assinala José Murilo de Carvalho:

A ação política nessa visão é sobretudo orientada para a negociação direta com o governo, sem passar pela mediação da representação. Como vimos, até mesmo uma parcela do movimento operário na Primeira República orientou-se nessa direção; parcela ainda maior adaptou-se a ela na década de 30. Essa cultura orientada mais para o Estado do que para a representação é o que chamamos de "estadania", em contraste com a cidadania. [...] Como a experiência de governo democrático tem sido curta e os problemas sociais têm persistido e mesmo se agravado, cresce também a impaciência popular com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão. [...] Além da cultura política estatista, ou governista, a inversão favoreceu também uma visão corporativista dos interesses coletivos. Não se pode dizer que a culpa foi toda do Estado Novo. O grande êxito de Vargas indica que sua política atingiu um ponto sensível da cultura nacional. A distribuição dos benefícios sociais por cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores para dentro do sindicalismo corporativo achou terreno fértil em que se enraizar. Os benefícios sociais não eram tratados como direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade passou a se organizar para garantir os direitos e os privilégios distribuídos pelo Estado.9 (grifos nossos).

À época, a legislação brasileira se preocupou apenas com a regulamentação da normatização coletiva sob forma de acordos e convenções coletivas de trabalho e do exercício do direito de greve (aspecto material da autonomia privada coletiva), mas não com o caminho até elas: a negociação coletiva, verdadeiro aspecto instrumental da autonomia privada coletiva.

Já sobre o período de ditadura militar, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva nota que a intervenção legislativa que estabeleceu políticas salariais foi parte de um esforço para permitir a maior acumulação pelo capital do que propriamente de controle inflacionário. A propósito, sobre as políticas salariais dos governos militares, destaca:

A política salarial dos governos militares, com maiores ou menores distensões, foi executada por meio de um intervencionismo no mercado de trabalho, cuja finalidade era reduzir ainda mais os espaços de autonomia coletiva e limitar as possibilidades de crescimento da ação sindical com vistas à obtenção de reajustes salariais10. (grifo nosso)

Sobre este último período, convém destacar que a redemocratização política iniciada no fim do governo militar culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual adota o paradigma de Estado Democrático de Direito e consagra, enquanto valor juridicamente tutelável, a dignidade da pessoa humana.

Quase que concomitantemente a isso, o governo brasileiro passou a implementar uma política econômica de feição marcadamente neoliberal. Outrossim, as empresas passaram cada vez mais a adotar o modelo toytotista de produção.

Entende-se que o paradigma de Estado Social de Direito abandonou o laissez-faire do modelo de Estado Liberal para tornar-se agente realizador de condições de equilíbrio aos atores sociais. O Estado Democrático de Direito, a seu turno, transmuda esta figura de provedor para...

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