Atuação sindical e trabalho decente

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas251-257

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Ver nota 1

1. Introdução

A busca do trabalho decente2 tem sido, nos últimos anos, como será visto adiante, uma preocupação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Estado Brasileiro.

Deveria ser, também, das principais representantes dos trabalhadores: as organizações sindicais, pois, em tese, pelo menos, traduzem a vontade daqueles que vivem da força de seu trabalho, e são os maiores interessados na realização desse ideal.

Não é o que se tem observado, entretanto, no Brasil, quer pela análise do ordenamento jurídico, quer pela ação própria das entidades sindicais.

É o que tentaremos demonstrar nas páginas seguintes, fazendo isto sob duas óticas: sob a ótica do trabalho decente, e sob a ótica da atuação sindical.

As bases iniciais para as questões que serão apresentadas, a propósito, para evitar repetições desnecessárias, são dois estudos que realizamos e que foram publicados como livro, a saber: Direito sindical, com a 2ª tiragem da 4ª edição tendo sido publicada em 2012 pela LTr Editora, e Trabalho decente, cuja 2ª edição foi publicada em 2010, também pela LTr Editora, estando em vias de publicação a 3ª edição3.

2. O trabalho decente e a questão sindical

Para a compreensão sob essa ótica, a primeira questão a elucidar diz respeito ao próprio significado de trabalho decente.

Essa expressão é a utilizada pela Organização Internacional do Trabalho na Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, adotada na 86ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1998, sendo objetivo dessa Declaração oferecer "um novo meio de promoção de tais direitos e princípios [os princípios e direitos fundamentais no trabalho], muito especialmente para os estados que não ratificaram estas convenções"4.

O conteúdo da Declaração, nesse sentido, confunde-se com o "mínimo social que todos os estados devem respeitar no processo de mundialização no âmbito do mandato da OIT"5.

Tudo isso fica claro pela leitura do item 2 da Declaração:

  1. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é:

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  1. a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

  2. a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

  3. a abolição efetiva do trabalho infantil; e

  4. a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação6.

Importante aduzir que, atualmente, garantir o trabalho decente é o primeiro dos objetivos da OIT, no processo de modernização e renovação que empreende. Isso fica claro nas Memórias do Diretor Geral da Organização, relativamente à 89ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (2001), quando, listando os objetivos de seu Programa, indica, ao início, a proposta de: "Centrar las energias de la OIT en el trabajo decente como una de las principales demandas globales de nuestra época"7.

Assim, é possível indicar que trabalho decente é o mínimo indispensável para a vida digna das pessoas, no aspecto do trabalho, ou seja, compõe, na esfera trabalhista, o que se convencionou denominar de Direitos Humanos, e que, por sua vez, constituem os direitos mínimos indispensáveis para que a pessoa humana tenha respeitada a sua dignidade8.

Por isso, são os direitos mais importantes do ser humano, no sentido de que constituem o núcleo mínimo que garante o respeito à sua condição de pessoa, não podendo, em nenhuma circunstância, ser negados.

Como são os mais importantes, é no mínimo lógico que devam receber proteção prioritária, comparativamente com outros direitos, que podem ser relevantes e justos, mas, ainda assim, secundários, em comparação com os que são, como dito, os mais importantes.

Por outro lado, como temos defendido há mais ou menos uma década9, pensamos que o rol de direitos listados pela OIT, na Declaração acima aludida, é insuficiente para definir, em relação aos trabalhadores, o mínimo a proteger, sendo conveniente a utilização de outros instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos no trabalho, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948 e, principalmente, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, também da ONU, agora de 1966, tendo sido este instrumento normativo internacional ratificado pelo Brasil em 199210.

É que o PIDESC possui um rol de direitos dos trabalhadores, nos planos individual e coletivo, mais amplo que o da OIT que, por trabalhar somente com liberdade no trabalho, igualdade no trabalho, liberdade sindical e proibição do trabalho da criança e regularização do trabalho do adolescente, direitos importantes, mas incompletos como conjunto, deixa de lado questões que são básicas, e que não podem ser esquecidas, como a justa remuneração pelo trabalho, as justas condições de trabalho, o meio ambiente de trabalho equilibrado e a proteção contra os riscos sociais, entre outros.

A ampliação do rol de direitos que compõe o trabalho decente, então, obedece à lógica de oferecer proteção para os direitos indispensáveis dos trabalhadores, mas ainda a partir de uma base normativa que se compõe, recuperando a ideia, da Declaração da OIT e instrumentos que concentram os direitos por ela referidos: Convenções ns. 29 e 105 (liberdade no trabalho), 100 e 111 (igualdade no trabalho), 87 e 98 (liberdade sindical), e 138 e 182 (proibição do trabalho da criança e regularização do trabalho do adolescente11), mas também da Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigos XXIII e XXIV), e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigos 6º a 9º).

Com isso, o trabalho decente passa a ser composto dos direitos adiante indicados, divididos em três planos: individual, coletivo e da seguridade.

No plano individual: direito ao trabalho; liberdade de escolha do trabalho; igualdade de oportunidades para e no exercício do trabalho; direito de exercer o trabalho em condições que preservem a saúde do trabalhador; direito

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a uma justa remuneração; direito a justas condições de trabalho; principalmente limitação da jornada de trabalho e existência de períodos de repouso; proibição do trabalho da criança e regularização do trabalho do adolescente. Note-se que este plano concentra, naturalmente, variada gama de direitos, como forma de proteger os trabalhadores em relação que se caracteriza pela sua subordinação ao tomador de serviços.

No plano coletivo: liberdade sindical. Aqui, embora a enunciação seja sintética, a proteção é ampla, envolvendo as duas dimensões da liberdade sindical: a individual e a coletiva, e, dentro destas, todos os seus aspectos. Da dimensão coletiva, as liberdades de associação, de organização, de administração, e de exercício das funções, e, da dimensão individual, as liberdades de filiação, desfiliação e não filiação.

No plano da seguridade: proteção contra o desemprego e outros riscos sociais. Aqui, cabe relembrar que risco social deve ser entendido como todo evento que impeça ou dificulte a subsistência das pessoas e das que lhe são dependentes, como o desemprego, expressamente citado, mas também como o acidente, a doença, a morte, entre outros.

Tratando agora do Brasil, o País até tem se esforçado para ter uma atuação compatível com a ideia de trabalho decente. É o que aparentemente pretendeu o Governo Brasileiro, ao assinar, em 2 de junho de 2003, com a Organização Internacional do Trabalho, Memorando de Entendimento "[...] para o estabelecimento de um Programa de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda de Trabalho Decente"12.

Essa agenda, conforme informações no site do Ministério do Trabalho e Emprego, já indicado na nota acima, foi elaborada e lançada em maio de 2006, durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT, que foi realizada em Brasília.

A partir daí foi instituído, pelas Portarias n. 540, de 7 de novembro de 2007, e 114, de 27 de fevereiro de 2008, ambas do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, o Grupo Tripartite integrado por representantes do Governo Federal, dos trabalhadores e...

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