Sindicatos globais e a proteção dos direitos trabalhistas

AutorInez Lopes
Páginas78-96

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1. Introdução

A globalização é um fenômeno complexo, catalisador de profundas mudanças no sistema organizacional das sociedades de Estados, com reflexos em todos os segmentos das atividades humanas. Nas relações trabalhistas, os efeitos da globalização econômica têm afetado direta ou indiretamente os trabalhadores no mundo, as políticas públicas sobre o assunto, a divisão internacional do trabalho e a forma de atuação dos sindicatos, de locais a globais.

O processo de globalização iniciado no século XIX trouxe reflexos para a organização de trabalhadores. Os movimentos sindicais tiveram suas origens em bases locais, na defesa de interesses de trabalhadores no "chão da fábrica". Paulatinamente, as legislações estatais foram garantindo direitos mínimos trabalhistas. No século XX, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, foi fundamental para construir e consolidar direitos trabalhistas comuns na sociedade internacional, assegurando tanto os direitos trabalhistas individuais, quanto os coletivos do trabalho. No sistema das Nações Unidas, esses direitos estão assegurados na Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948, que reconhece como fundamentais a todas as pessoas os direitos ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho, à proteção contra o desemprego, à igual remuneração por igual trabalho, à remuneração justa e à organização de sindicatos (art. 23).

Os sindicatos são associações de representantes de categorais profissionais (laborais) ou de classes econômicas (patronais) que têm por objetivos assegurar os direitos trabalhistas, melhores condições no meio ambiente de trabalho e de compor conflitos oriundos das relações capital-trabalho. Além disso, são instituições importantes para a construção de políticas públicas na área da economia do trabalho.

Com a expansão das empresas multinacionais, principalmente no século XX, surgem novos desafios aos movimentos de trabalhadores, como o de lidar com a mobilidade das relações comerciais internacionais. Consequentemente, os sindicatos, seguindo a lógica da formação das centrais sindicais (associações de sindicatos de trabalhadores em nível nacional), criam entidades globais para atuar na defesa dos direitos e interesses trabalhistas em nível internacional.

O presente artigo objetiva analisar a criação e organização dos sindicatos globais, o seu papel nas relações industriais globalizadas, sua influência na governança global e as suas formas de atuação perante a ordem econômica internacional. Além disso, estuda, ainda, a atual estrutura dos sindicatos globais e o desenvolvimento de estratégias e de instrumentos para a defesa dos direitos trabalhistas no mundo globalizado, em especial o aumento substancial de normas privadas internacionais, tais como os acordos marcos internacionais, SA 8000 e a ISO 26000.

A partir do uso de métodos qualitativos, são abordadas as diversas doutrinas sobre o assunto, investigadas as formas de atuação dos sindicatos globais e as ferramentas desenvolvidas para assegurar a ética e a responsabilidade

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social nas atividades empresariais, quer as normas de soft law, quer os acordos entre empresas e sindicatos globais, ambos com propósitos de proteção de direitos sociais. Até que ponto, as normas privadas internacionais têm poder de proteger direitos?

O estudo dos "Sindicatos Globais e a Proteção dos Direitos Trabalhistas" está dividido em cinco capítulos. O capítulo 1 trata do fenômeno da globalização e seus efeitos nas atividades econômicas e nas laborais, dos direitos humanos e dos trabalhistas como direitos fundamentais e do papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como instituição responsável pela criação de normas internacionais e criação de sistemas de monitoramento dos Estados. O capítulo 2 estuda os sindicatos globais, sua formação, origens, definições e sua atual estrutura. A atuação dos sindicatos globais na proteção dos direitos trabalhistas é estudada no capítulo 3. Com relação aos mecanismos internacionais de proteção dos direitos sociais, o capítulo 4 aborda de modo sucinto os principais instrumentos que estão relacionados aos direitos trabalhistas, tais como códigos de conduta (intergovernamentais, privados e empresariais), SA 8000, ISO 26000 e os acordos marcos internacionais. Por fim, o capítulo 5 avalia a efetividade desses mecanismos de proteção de direitos sociais e a atuação dos sindicatos globais.

2. Globalização, direitos humanos e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A institucionalização da sociedade internacional e as consequentes criações de organizações intergovernamentais nos diversos campos das atividades humanas constituem marcos regulatórios com fundamento nos diversos princípios que regem as relações internacionais, dentre eles a cooperação internacional entre os Estados. A "lógica da globalização" dá origem à criação de sistema jurídico global, vinculado à Organização das Nações Unidas, com o reconhecimento de direitos universais, que exigem ações comuns, mas diferenciadas entre os Estados. Por seu turno, a "lógica da fragmentação" engendra sistemas jurídicos regionais (Organização dos Estados Americanos, Conselho da Europa); bem como atividades regionais por parte dos organismos internacionais globais com vistas a atingir seus objetivos e obter melhores resultados de suas ações. Atribui-se às organizações internacionais, globais e regionais, competências operacionais, impositivas e normativas, colaborando para o desenvolvimento de políticas públicas internacionais.

O principal organismo intergovernamental responsável pelo estabelecimento de políticas para a defesa dos interesses de trabalhadores e de suas condições de trabalho é a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência especializada das Nações Unidas. No seio da OIT foram elaboradas 189 convenções internacionais e 202 recomendações2. Além disso, o organismo possui um sistema de monitoramento para verificar o cumprimento das obrigações internacionais impostas aos Estados que ratificaram esses tratados.

Os direitos trabalhistas são indissociáveis dos direitos humanos. Em 1998, a OIT adotou a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que estabelece os direitos fundamentais do trabalho a partir de quatro princípios básicos (liberdade sindical e direito de negociação coletiva, não discriminação no emprego, proibição e abolição do trabalho escravo e erradicação do trabalho infantil), identificados como valores essenciais de direitos humanos para promover o desenvolvimento econômico e social.

Há diferenças entre padrões mínimos trabalhistas e os direitos fundamentais do trabalho: os primeiros se referem a questões de relações de emprego, tais como salário mínimo e horas máximas de trabalho; os últimos dizem respeito aos quatro princípios fundamentais da Declaração da OIT, que estão vinculados a oito convenções:

· Liberdade sindical e direito a negociação coletiva: Convenções ns. 87 e 98 da OIT;

· Proibição de trabalho forçado: Convenções ns. 29 e 105 da OIT;

· Abolição efetiva do trabalho infantil: Convenções ns. 138 e 182 da OIT;

· Eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação: Convenções ns. 100 e 111 da OIT.

Com relação a conflitos entre direitos econômicos e sociais, a Declaração da OIT afirma que "o crescimento econômico é essencial, mas insuficiente para assegurar a equidade, o progresso social e a erradicação da pobreza, o que confirma a necessidade de que a OIT promova políticas sociais sólidas, a justiça e instituições democráticas" (§ 2º do preâmbulo).

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Embora a OIT reconheça a necessidade de fortalecer a capacidade para promover os direitos trabalhistas mais efetivamente, o órgão defende uma reforma na governança global, com regras mais justas, melhores políticas internacionais e maiores responsabilidades das instituições, com o propósito de garantir uma segurança socioeconômica global3

e uma cooperação com as instituições econômicas, principalmente para lidar com as crises econômicas mundiais e seus reflexos nas relações trabalhistas.

A estrutura da OIT difere de outras organizações intergovernamentais por possuir um sistema tripartite, composto por dois representantes do governo, um representante da organização de empregadores e um da confederação sindical por país no Conselho de Administração. Essa estrutura está alicerçada nos pilares da organização da sociedade; o político, com a participação de governos e do próprio organismo, o econômico, representando os interesses das empresas pelos sindicatos patronais, e o social, de interesse da sociedade civil, em especial dos trabalhadores, por meio das confederações sindicais.

Contudo, além do fortalecimento de políticas públicas internacionais para assegurar direitos trabalhistas, observa-se, também, um engajamento das pessoas privadas e o aumento de normas internacionais de direito privado para garantir a observância aos direitos humanos. Com referência à organização dos trabalhadores, os sindicatos globais...

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