Trabalho do Adolescente

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas429-455

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1. Introdução - O primeiro diploma legal brasileiro que regulamentou o trabalho das crianças e dos adolescentes nas fábricas foi o Decreto n. 1.313, de 1891. Entre outras medidas, o citado regulamento dispunha que os menores do sexo feminino de 12 a 15 anos e os do sexo masculino de 12 a 14 anos só poderiam trabalhar, no máximo, sete horas por dia, não consecutivas, de modo que nunca excedesse a quatro horas de trabalho contínuo; e os do sexo masculino de 14 a 15 anos, até nove horas por dia, nas mesmas condições. Os menores aprendizes - que nas fábricas de tecido poderiam ser admitidos desde oito anos - só trabalhavam três horas.

Após a edição do Decreto n. 1.313, de 1891, diversas outras tentativas foram feitas no sentido de regular o trabalho dos menores, tais como: o Projeto Parlamentar n. 4-A, de 1912; o Decreto Municipal n. 1.801, de 11.8.1917; o Decreto n. 16.300, de 1923 (Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública), e o Decreto n. 5.083, de 1º.12.1926.

Mas, como comenta Segadas Vianna,1 não passaram "todas essas medidas de letras mortas".

Demonstrando que o ensinamento de Otávio Paz 2 está bem atual quando afirma que "na América Latina há uma contradição entre duas ordens: o ideal e o real. As leis são novas, mas velhas as sociedades", o Brasil foi o primeiro país na América Latina a editar o Código de Menores, o chamado Código Mello Mattos - aprovado em 12 de outubro de 1927, por intermédio do Decreto n. 17.943-A, limitando a ida- de mínima de trabalho a partir de 12 anos, além de proibir o serviço noturno aos menores de 18 anos e o prestado em praça pública aos menores de 14 anos.

Após a vitória da Revolução de 1930, diversas medidas protecionistas foram adotadas, iniciando-se pelo Decreto n. 22.042, de 1932, que fixou a idade mínima para o trabalho na indústria. Os cursos de aperfeiçoamento profissional, para quem tivesse idade entre 18 e 21 anos, foram criados por meio do Decreto-Lei n. 1.238, de 2.5.1939. O último diploma legal expedido antes da Consolidação das Leis do Trabalho foi o Decreto-Lei n. 3.616, de 1941, que instituiu a carteira de trabalho do menor e determinou a totalização das horas de trabalho, quando o menor de 18 anos fosse empregado em mais de um estabelecimento.

Em 1943, sistematizando toda a legislação existente, além de introduzir disposições inovadoras, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio, entrando em vigor em 10 de novembro daquele mesmo ano. O Capítulo IV, do Título III do citado diploma, regulamentou as normas especiais de tutela e proteção do trabalho do menor em 39 (trinta e nove) artigos, tendo sofrido algumas alterações até a presente data, a saber:

  1. Decreto-Lei n. 9.576, de 12.8.1946: deu nova redação à alínea "a" do art. 429 e revogou a alínea "b" do mesmo artigo;

  2. Lei n. 3.519, de 30.12.1958: revogou o parágrafo único do art. 443;

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  3. Lei n. 4.070, de 15.6.62: alterou a redação da alínea "b" do art. 438;

  4. Decreto-Lei n. 229, de 28.2.67: deu nova redação ao parágrafo único do art. 402: letra "b" do parágrafo único do art. 403; § 5º do art. 405; inciso II do art. 406; parágrafo único do art. 407; art. 408; parágrafo único do art. 413; art. 434; art. 435; art. 436; parágrafo único do art. 437; parágrafo único do art. 438; art. 441;

  5. Decreto-Lei n. 926, de 10.10.1969: revogou os arts. 415 a 417;

  6. Lei n. 5.686, de 3.8.1971: revogou os arts. 419 a 423;

  7. Lei n. 7.855, de 24.10.1989: revogou o art. 418;

  8. Lei n. 8.069/1990: revogou o § 1º do art. 405;

  9. Lei n. 8.422, de 13.5.1992: deu nova redação ao art. 438;

  10. Lei n. 10.097, de 19.12.2000: deu nova redação ao art. 402; alterou a redação do art. 403 e seu parágrafo único; alterou os arts. 428, 429, 430, 431, 432 e 433, bem como os seus respectivos parágrafos;

  11. Lei n. 11.180, de 23.9.2005, alterou o art. 428, dando nova redação ao caput e aos §§ 1º e 3º e acrescentou os §§ 5º e 6º;

  12. Lei n. 11.788, de 25.9.2008, acrescentou o § 7º ao art. 428.

  13. Lei n. 12.594, de 18.1.2012, incluiu o § 2º ao art. 429.

    O Código de Menores de 1979 (Lei n. 6.697, de 10.10) incorporou os princípios consolidados, ao estabelecer, em seu art. 87, que a proteção do trabalho do menor seria regulada por lei especial.

    Em 1988, a Carta Magna retornou à tradição brasileira de fixar a idade mínima de trabalho em 14 (quatorze) anos, salvo na condição de aprendiz, que havia sido rompida pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969, ao fixar a menoridade trabalhista de 12 (doze) a 18 (dezoito) anos.

    Em 1990, os adolescentes obtiveram novas conquistas com a edição da Lei n. 8.069, publicada no DOU de 27.9.1990, p. 18.551, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. O direito à profissionalização e à proteção do trabalho acha-se regulado no Capítulo V do Título II do citado diploma legal, abrangendo os arts. 60 a 69.

    A Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, alterou o inciso XXXIII do art. 7º, passando a ter a seguinte redação: "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis anos), salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos".

    Não faltaram, portanto, de 1891 até os atuais dias, diplomas legais regulando o trabalho dos adolescentes, todas prevendo normas de tutela e proteção. Infelizmente, conforme está divulgado no Portal Educacional, www.educacional.com.br/reportagem/criancasdobrasil/trabalho_infantil.asp, a lei está longe de refletir a realidade do Brasil. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que há mais de 5 milhões de jovens trabalhando no país, sendo quase 3 milhões em situação irregular: muitos deles trabalham como escravos ou para pagar dívidas assumidas pelos pais. O mesmo relatório indica que esses números vêm caindo desde o início da década de 1990, mas o trabalho infantil não deve acabar até 2015.

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    Diante dos fatos sociais de nosso país, embora tenha ficado claro não ser a lei o suficiente para se empreender uma reforma social, por outro lado, é incontestável a necessidade da intervenção do jurista nesse processo, promovendo a defesa dos valores materiais do Direito: igualdade e justiça.

    A respeito dessa questão, há de se levar sempre em conta as palavras do Papa João XXIII (Encíclica Mater et Magistra, 1961)3, no sentido de que a sociedade deve lutar "pela criação de instituições inspiradas na justiça social" e para que fosse instaurada uma ordem jurídica que harmonizasse os interesses particulares da atividade econômica com as exigências do interesse social. E a criação dessas instituições justas somente poderá ser feita por meio do Direito, que, conforme nos ensina François Rigaux:4

    Se o direito tem um sentido é o de nos oferecer um projeto de sociedade futura e de contribuir, pelos métodos que lhes são próprios, para realizá-la.

    2. A Constituição Federal de 1988 - A Constituição de 1988 trouxe a lume seis princípios básicos com relação à proteção do trabalho do adolescente:

  14. Princípio da Idade Mínima - art. 7º, XXXIII, e art. 227, § 3º, I;

  15. Princípio da Tutela Especial - art. 7º, XXXIII, e art. 227, § 3º, I;

  16. Princípio da aprendizagem e formação para o trabalho - art. 7º, XXXIII, e art. 214;

  17. Princípio da integração ao mercado de trabalho - art. 203, III;

  18. Princípio das garantias trabalhistas - art. 7º, XXXIII, e art. 227, § 3º, I;

  19. Princípio da Garantia da Educação (qualificação para o trabalho) - art. 205.

    Assim, a constituição federal estabelece a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos, que, nos termos do art. 428 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.180, de 23.9.2005, constitui-se de contrato especial, ajustado por escrito e por prazo determinado com o empregador que se obriga a dar formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.

    Logo após a promulgação da CF/1988, Haddock Lobo e Prado Leite,5 analisando o texto constitucional, apresentam a total impossibilidade de o menor de 14 (quatorze) anos (redação original da CF) trabalhar em empresas industriais públicas ou privadas ou em suas dependências, lembrando, inclusive, que o Brasil ratificou a Convenção n. 5 da OIT, que estipulou essa idade mínima para admissão nos trabalhos industriais. Prosseguindo, afirmam os comentaristas:

    O texto constitucional sob comentários, porém, procura ressalvar a condição de aprendiz. O aprendiz não é o assistido.

    Aprendizagem é o termo técnico inserido em nossa legislação e com tradição de curso. Ela só se inicia aos 14 anos.

    É de se ter, pois, que o legislador quis se referir ao sistema de aprendizagem que abriga a pré-aprendizagem, esta iniciando-se, é verdade, aos 12 anos.

    Nos dias atuais, em virtude da nova redação dada ao inciso XXXIII do art. da Constituição Federal, as idades referidas no texto de Haddock Lobo e Prado Leite devem ser lidas da seguinte forma: onde se lê 12 (doze) anos, leia-se 14 (quatorze) anos; onde se lê 14 (quatorze) anos, leia-se 16 (dezesseis) anos.

    Assim, na óptica da nova redação da constituição, admite-se que é possível ao adolescente menor de 16 (dezesseis) anos trabalhar, desde que o faça na condição de aprendiz estabelecida no art. 428 da CLT, sendo-lhe aplicadas todas as proteções previstas aos menores de 18 (dezoito) anos e mais uma especial quanto à duração do trabalho (seis horas diárias).

    Os demais princípios constitucionais dizem que o adolescente está protegido com relação ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre, tendo direito à previdência social e às demais garantias trabalhistas. O direito de proteção especial abrange, também, a garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola.

    Essa educação a ser ministrada ao adolescente visará ao seu pleno desenvolvimento como pessoa, além de seu preparo para o exercício da cidadania, bem como a sua...

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