Trabalho da Mulher

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas418-428

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1. Igualdade de direitos - Evaristo de Moraes Filho, em 1975, escrevia:

... quer na Doutrina, quer na legislação, continuam as mulheres e os menores a manter os mesmos cordões umbilicais, se não no mesmo berçário, pelo menos, praticamente, na mesma oficina de trabalho, com idênticas restrições e iguais solicitudes. Historicamente, foi assim que aconteceu, quer na legislação estrangeira, quer na nacional. Tidas (as mulheres) como meia-forças de trabalho, mais dóceis e desorganizadas, foram as escolhidas desde logo para as tarefas mecânicas do industrialismo nascente... com menores salários, e nas mesmas péssimas condições do trabalho adulto e masculino, tangidas pelas necessidades econômicas, levas imensas de mulheres e crianças, de todas as idades, a partir de 5 anos, confundiam-se nas fábricas, sem limite máximo de duração na prestação de serviços, indo comumente a mais de dezesseis horas diárias, com salários de fome.1

Passados alguns anos, a Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, salienta a igualdade de todos perante a lei, declarando de forma incisiva, no art. 5º, inciso I:

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Logo após, entre os direitos dos trabalhadores (art. 7º), o constituinte incluiu (inciso XXX):

Proibição de diferença de salários, de exercício de função e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Essas normas são frutos da luta empreendida nos dois últimos séculos a favor da emancipação da mulher e demonstram a forma como ela é hoje considerada nos grandes centros do mundo ocidental. Pelo menos nessa parte do mundo, a mulher alcançou juridicamente condições de igualdade com o homem, e se ainda não usufrui plenamente dessa condição, isso se deve a fatores sociais arraigados que não nos cabe aqui analisar.

Quanto à legislação trabalhista em vigor e diante da realidade brasileira, a Constituição, depois de declarar a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, e proibir diferença de salários em virtude de sexo, contém dispositivo obrigando a proteção do mercado de trabalho da mulher median-te incentivos específicos (art. 7º, XX). Tal fato decorre da indiscutível discriminação sofrida pela mulher no mercado de trabalho, tornando-se necessário que subsistam algumas proteções específicas.

Além do mais, não há uma nítida diferença entre os gêneros humanos quanto à complexão física, obrigando que as normas específicas venham a proteger na CLT o trabalho da mulher. Não há contradição entre a igualdade jurídica entre homens e mulheres e desigualdades físicas e, ainda, a complexa mentalidade discriminatória nacional, que justifica a existência de documentos legais protetores.

Analisando o Capítulo III do Título II da CLT, veremos que os benefícios previstos para a mulher,

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como duração do trabalho de oito horas, hora extra e trabalho noturno com remuneração acrescida e repouso semanal de 24 horas, há muito tempo foram estendidos ao homem. O trabalho perigoso e insalubre é também hoje normatizado em pé de igualdade para homens e mulheres. Sobre esse assunto, comentamos, no Capítulo XXVII, que tanto uns como outros se encontram expostos à poluição e a outras condições de perigo e insalubridade, não obstante a Constituição nos garantir o contrário.

Restaram, no Capítulo III do Título II da CLT, como normas de proteção, após as novas redações dadas e as revogações feitas pelo Decreto-L ei n. 229, de 28.2.1967, pelas Leis ns. 7.855, de 24.10.1989, 9.799, de 26.5.1999, 10.421, de 15.4.2002 e 12.812, de 16.5.2013, exclusivamente voltadas para a mulher, a limitação de levantamento de peso (20 quilos e 25 quilos) e os dispositivos que visam a proteger a gravidez, o nascimento e a amamentação do filho.

A limitação de levantamento de peso é norma originária do Direito Internacional do Trabalho e foi importada sem a devida adaptação ao físico da mulher brasileira. Assim, para a grande maioria de nossas mulheres, a limitação é desnecessária, porque é imposta pela própria natureza.

Dessa forma, o que a CLT protege, hoje, não é o trabalho da mulher em si, mas basicamente o trabalho dela por ocasião da gravidez, da maternidade e da amamentação.

Também o constituinte, ao prever a proteção do mercado de trabalho da mulher, objetivou impedir a discriminação a ela, garantindo-lhe a subsistência, na gravidez e na maternidade.

Essas normas não podem, portanto, ser consideradas como proteção à mulher e incoerentes com o princípio de igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, porquanto são formas de proteção ao recém-nascido, que é filho de ambos. Além disso, são normas jurídicas emanadas do sentimento mais primitivo do homem - o instinto de conservação da espécie.

Assim, entendemos que, hoje, a denominação mais apropriada para o Capítulo III do Título II da CLT seria Da Proteção à Maternidade.

Nos dias atuais, a mulher contribui para o sustento da família em pé de igualdade com o homem, deixando há muito o seu salário servir de mero complemento familiar. A proposição de restrição de jornada, se implantada, prejudicaria, em lugar de ajudar, pois deixaria a mulher em desvantagem no mercado de trabalho.

De outro lado, sob o aspecto biológico, ambos os sexos hão de ser protegidos. Sobre esse assunto, pronunciou-se de forma apropriada a ex-ministra adjunta do Trabalho da Suécia, Ana Geta Leiánon:

O trabalho perigoso, duro e sujo é arriscado para mulheres, mas também o é para os ho-mens. Deve ser concedida a mesma proteção aos trabalhadores de um e outro sexo. Se o trabalho noturno e outras formas incômodas de trabalho são necessários, devem ser compartilhados em pé de igualdade por homens e mulheres...2

Importante contribuição nessa luta de emancipação das mulheres se deve ao Papa Paulo VI, defensor das minorias discriminadas. Em sua Carta Apostólica, por ocasião do 80º aniversário da Encíclica Rerum Novarum, reivindicou um estatuto da mulher, com o objetivo de fazer cessar a discriminação que existia e estabelecer relações de igualdade nos direitos e de respeito pela sua dignidade.3

2. Direito internacional - Verifica-se neste livro, no capítulo referente a "Fundamentos e Formações Históricas do Direito do Trabalho", que os inquéritos realizados pelo governo inglês, em 1814, e pelo fran-cês, em 1840, comprovam uma situação de miséria e excessiva exploração do trabalho das mulheres. Como consequência, na Inglaterra, o trabalho das mulheres foi proibido nas minas e reduzido para dez horas nas demais indústrias, durante as décadas de 1940 e 1950.

Em 1890, a Conferência de Berlim recomenda a proibição do trabalho feminino na indústria.

Lembra Evaristo de Moraes Filho, no capítulo acerca do Direito Internacional do Trabalho, que, em 1893, criou-se a Associação Internacional para a Proteção dos Trabalhadores. Essa associação, em conferência realizada em 1905, aprovou duas resoluções - proibindo o uso do fósforo branco em determinadas indústrias e o trabalho noturno das mulheres. Resoluções protetoras do trabalho feminino foram aprovadas em outras conferências, como a de Lucerna (1909) e Berna (1913). Com o Tratado de Versalhes, de

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1919, a matéria foi objeto de atenção especial, tendo constado no art. 427, parte XIII, n. 7, o princípio da igualdade de trabalho sem distinção de sexo.

No que se refere ao Direito Internacional, pode-se verificar a existência de duas fases históricas: a primeira até 1950 e a outra a partir da segunda metade do século XX. Na primeira, a OIT desenvolveu uma política de proteção ao trabalho da mulher, ficando assim constatado pelas normas aprovadas sobre maternidade, trabalho noturno, insalubre, perigoso, jornada de trabalho, trabalho manual e habitual com carga e em subterrâneos e minas.

Destacam-se nesse período as Convenções n. 3 (emprego da mulher antes e depois do parto), de 1919, n. 4, de 1919 (proibição de trabalho noturno), e n. 45, de 1935 (proibição do trabalho em subterrâneos de minas).

A partir de 1950, a OIT volta-se à promoção da igualdade entre o homem e a mulher, elaborando normas de incentivo de oportunidades de trato do trabalho da mulher e a eliminação da discriminação quanto ao sexo. São vários os temas encontrados nas Convenções e Recomendações da OIT sobre o trabalho da mulher, tais como:

1) Proteção à maternidade - especialmente no que tange à estabilidade no emprego e à licença-gestante, o seu pagamento e afastamento do emprego, intervalo para amamentação durante a jornada de trabalho, proibição do trabalho da gestante com transporte de carga pesada, entre outros dispositivos. As normas que se destacam são a Convenção n. 103 e a Recomendação n. 95, ambas de 1952. Essa convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 20, de 30.4.1965, sendo a ratificação promulgada pelo Decreto n. 58.820, de 14.7.1966.

2) Trabalho noturno - Convenção n. 171, aprovada na 77ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra - 1990).

3) Transporte de cargas - Convenção n. 127, de 1967, e a Recomendação n. 128 do mesmo ano. Essa convenção, que entrou em vigor internacionalmente em 1970, foi ratificada nesse mesmo ano pelo Brasil, sendo que o decreto de promulgação tomou o número 67.339, de 5.10.1970.

4) Igualdade de oportunidades e de tratamento entre o homem e a mulher e não discriminação - com a Convenção n. 100, de 1951, foi adotado o princípio da igualdade de salário por um trabalho de igual valor; a Convenção n. 111 e a Recomendação n. 111, ambas de 1958, tiveram como tema a discriminação no emprego ou na ocupação; a Convenção n. 156 e a Recomendação n. 165, ambas de 1981, trataram das responsabilidades familiares, enquanto a Convenção n. 171, de 1990, admitiu o trabalho noturno da mulher, salvo durante a licença-maternidade, uma vez demons-trado ser prejudicial à sua saúde. A Convenção n. 100 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.1956, sendo a sua...

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