Nacionalização do Trabalho

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas409-417

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1. Nacionalismo - Temos assistido, atualmente, a um crescimento cada vez maior do controle de entrada ou permanência do estrangeiro sem recursos nos países chamados de desenvolvidos ou do Primeiro Mundo. A situação é muito grave, não sendo exagero afirmar que o estrangeiro pobre é hoje rechaçado como os leprosos o foram na Antiguidade e na Idade Média.

Por meio de acordos internacionais, a comuni-dade mundial vem tentando proteger o homem fora de sua pátria e o trabalho deste, mas o cumprimento desses acordos esbarra quase sempre na falta de solidariedade, na intransigência ou no racismo. Aos emigrantes que conseguem permanecer em países desenvolvidos se lhes oferecem tão somente trabalhos subalternos, não importando sua formação ou cultura.

A crise de solidariedade e a formação de grupos econômicos fechados nos faz supor que repetiremos indefinidamente nossos equívocos. Apenas na segunda metade do milênio, a ambição desmedida, associada ao desrespeito pelo próximo e ao racismo, foi responsável pelas maiores atrocidades da história do homem.

Inclusive, um brasileiro nascido na cidade de Gonzaga, Minas Gerais, em 7.1.1978, Jean Charles de Menezes, foi morto em Londres, no dia 22.7.2005, confundido com um homem-bomba no metrô, com oito tiros à queima-roupa, por força da unidade armada da Scotland Yard britânica, SO19. Esse jovem brasileiro sonhou em poder poupar algumas libras esterlinas para melhorar o seu futuro e o de sua família, mas foi assassinado friamente por ser um estrangeiro na terra da senhora rainha.

No passado, os colonizadores vindos da Península Ibérica, segundo o historiador francês Michel Beaud, em pouco mais de um século (1500 a 1600), promoveu a redução da população indígena do México em 90% e a do Peru em 95% (assassinada sumariamente em sua grande maioria, e os demais, mortos por doenças contraídas pelo contato com o homem branco).1

No Brasil, declara o historiador Eduardo Gale-ano: "Estima-se tenham introduzido uns 10 milhões de negros escravos, desde a conquista do Brasil até a abolição da escravatura". Segundo o mesmo autor, somente o Duque de York marcava a ferro, anualmente, 3 mil negros que conduzia às ‘ilhas do açúcar’".2

Na Europa, há quase 70 anos, milhões de judeus foram sacrificados pelo nazismo.

A Igreja Católica tem se posicionado contra o racismo e suas consequências desastrosas, dando, inclusive, valiosa contribuição em prol do estrangeiro de modo geral. O saudoso Papa Paulo VI alertou em 1967:

O racismo continua ainda a ser obstáculo à colaboração entre nações desfavorecidas, e fermento de divisão e ódio, mesmo dentro dos próprios Estados, quando, contraria-

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mente aos direitos imprescindíveis da pessoa humana, indivíduos e famílias se veem injustamente submetidos a um regime de exceção por motivo de raça ou de cor.3

A matéria foi também abordada pelo inesquecível Papa João XXIII, quando, sobre o direito de migração, declarou:

... por ser alguém cidadão de um determinado país, não se lhe tolhe o direito de ser membro da família humana, ou cidadão da comunidade mundial, que consiste na união de todos os seres humanos entre si.4

O documento pontifício Laborem Exercens, editado pelo Papa João Paulo II, referendou o princípio da Doutrina Social da Igreja a favor do direito de migração e da procura de melhores condições de vida. No documento, o pontífice expressa o seu apoio ao emigrado e recomenda o não desfavorecimento dele no que se refere aos direitos relativos ao trabalho em confronto aos trabalhadores da terra. Finaliza, alertando:

A emigração por motivo de trabalho não pode de maneira nenhuma tornar-se uma ocasião de exploração financeira ou social.5

No Brasil, pelo menos nesse sentido, nossa legislação evoluiu de acordo com a filosofia da Igreja. A Constituição de 1988, no capítulo referente ao estrangeiro, deveria servir de modelo aos demais países, no que se refere ao tratamento igualitário que lhe é dado. A nova Carta garante ao estrangeiro residente no País os mesmos direitos do cidadão brasileiro. Aqui o estrangeiro pode trabalhar no comércio, na indústria, gerenciar, comprar propriedades rurais e explorá-las e até ser ministro de Estado.

Lamentamos, apenas, que o brasileiro lá fora seja tão discriminado em matéria de trabalho. Mesmo aqueles que, com muita dificuldade, conseguem residir nos chamados países do Primeiro Mundo, só lhes são oferecidos, muitas vezes, trabalhos subalternos, independentemente de sua formação intelectual.

2. Nacionalidade - No moderno direito constitucional brasileiro, possuímos três termos diferentes, com classificação própria no sistema jurídico, referindo-se à relação entre a pessoa e o Estado, ou seja, nacionalidade, cidadania e estrangeiro.

O conceito de nacionalidade tem gerado desentendimentos, devido, em princípio, ao duplo sentido do termo. A palavra é utilizada comumente pelo leigo sob o aspecto sociológico, sendo, nesse caso, vinculado a território, raça, língua, tradição, etc. Em direito, por outro lado, o termo recebe outra conotação, sendo relacionado ao Estado como ente jurídico.

Assim, enquanto para o leigo a nacionalidade pressupõe relação material ou de tradição entre o homem e a terra onde nasceu ou escolheu viver, no sistema jurídico ela é definida como vínculo entre o homem e o Estado (pessoa jurídica de direito público interno).

Pontes de Miranda define:

Nacionalidade é o vínculo jurídico político de direito público interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes de demissão pessoal do Estado.6

Ilmar Penna Marinho, citado por Celso Albuquerque Mello, acrescenta:

O indivíduo que tem uma nacionalidade tem a qualidade de membro de um Estado.7

A confusão, contudo, não é gerada apenas pelos dois sentidos do termo - sociológico e jurídico. Confunde-se nacionalidade e cidadania porque também esta última estabelece relação entre o homem e o Estado. Trata-se, porém, de relação com o Estado político, pois é através da cidadania que o nacional passa a participar da vida política do país. José Afonso da Silva caracteriza com muita propriedade a diferença entre nacionalidade e cidadania:

Cidadania... é atributo político decorrente do direito de participar do governo e direito de ser ouvido pela representação política.

Os direitos de cidadania adquirem-se mediante alistamento eleitoral na forma da lei.

Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências.

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...só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão.8

A cidadania é assim definida por Orlando Soares:

O conjunto de condições jurídicas da pessoa natural que se acha no gozo de seus direitos civis e políticos, outorgados e assegurados pela Constituição e pelas leis pertinentes à matéria (exercício do direito de voto e de ser votado, desempenho de funções públicas; atividades profissionais em geral, comerciais, empresariais, e assim por diante).9

Embora as citações acima tenham esclarecido suficientemente os dois conceitos e a diferença entre eles, vale observar, como exemplo, que a criança ao nascer tem nacionalidade brasileira, mas não é cidadã. É interessante recordar também um episódio de grande impacto na vida política brasileira: o Ato Institucional n. 5, baixado em 1968, pelo regime militar, cassou arbitrariamente os direitos políticos de centenas de brasileiros, deixando todos na situação de nacionais sem cidadania. E tal fato ocorreu há pouco mais de 40 anos.

A nacionalidade pode ser primária ou originária (resultante do nascimento) e secundária ou adquirida (adquirida por ato voluntário).

De acordo com o magistério de Celso de Albuquerque Mello, a nacionalidade, primária ou originária, "é aquela que o indivíduo tem em virtude de nascimento. Existem três sistemas legislativos atributivos de nacionalidade originária: jus soli, jus sanguinis e o sistema misto".

A segunda espécie de nacionalidade, ou seja, a secundária ou adquirida, de acordo com o mesmo autor, "é aquela que o indivíduo passa a possuir posteriormente ao seu nascimento ou ainda quando para conservar a nacionalidade ele precisa manifestar a sua vontade".10

Em seguida, o autor relaciona as formas pelas quais a pessoa pode adquirir nacionalidade diferente da obtida pelo nascimento: "benefício da lei; casamento; naturalização; jus laboris; nos casos de mutações territoriais (cessão, anexação); e jus domicilii".11

José Afonso da Silva observa que os modos de aquisição da nacionalidade variam de Estado para Estado, mas, em qualquer deles, "é involuntária a aquisição da nacionalidade primária e decorre de ligação do fato natural do nascimento com um critério estabelecido pelo Estado, enquanto é voluntária a aquisição da nacionalidade secundária".12

O terceiro tipo de relação encontrada no direito constitucional brasileiro entre a pessoa e o Estado refere-se ao estrangeiro, objeto da introdução deste capítulo.

Definem-se como estrangeiros aqueles que, apesar de residentes no território nacional e membros componentes de sua população, deixaram de naturalizar-se nos termos do art. 12, II, da Constituição Federal.

Evaristo de Moraes Filho ensina, nesta obra, no Capítulo IX, que o direito do trabalho nasceu de conjuntura internacional, trazendo em si, desde logo, a nota de universalidade. Como consequência, prossegue, a questão dos trabalhadores estrangeiros não poderia passar despercebida pela Organização Internacional do Trabalho, cuja ação se esboçou nos instrumentos aprovados na primeira reunião da Conferência do Tratado de Versalhes (1919), como reflexo do art. 427, o qual incluiu entre os objetivos da Organização o princípio de que "as regras que em cada país se adotam com referência às condições do trabalho deveriam assegurar um tratamento econômico equitativo a todos os operários residentes legalmente no país".13

3. A Constituição - Direito internacional -

Nos dias atuais, as três principais Convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre os trabalhadores...

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