Aspectos Gerais, Especiais e Registros do Contrato de Trabalho

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas256-272

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1. Limitações à autonomia da vontade - Na ordem jurídica decorrente dos novos princípios impostos pela Revolução Francesa dominava o princípio da autonomia da vontade, expresso, sobretudo, no art. 1.134 do Código Civil napoleônico de 1804.1 Dali, irradiou-se para todos os outros povos do mundo ocidental, inclusive o Brasil. Hoje, a distância, muitos são os estudos expositivos e críticos desse princípio manifesto na liberdade contratual (conteúdo do contrato) e de contratar (de celebrar contrato). O contrato faz lei entre as partes, limitando-se a ordem jurídica a preencher aquilo que não seja expressamente regulado pelas partes.

O direito do trabalho, dentro do espírito crítico a esta concepção do mundo, inverteu as proposições, sendo as suas normas comumente de ordem pública, imperativas e cogentes. Representante do dirigismo contratual do século XX, são de seu campo os chamados contratos forçados, contratos legais, que, na expressão de Josserand, criam uma relação legal de origem contratual, isto é, a situação contratual em sua origem torna-se legal na sua prorrogação. Durand, com mais razão, referiu-se a isso como relação contratual de origem legal, de vez que a coação legal se faz manifestar na formação da relação contratual.2

Fora esses casos extremos, são vigiadas de perto as cláusulas contratuais, que devem colocar-se em consonância com a ordem legal, sob a pena de nulidade (arts. , 444 e 468 da CLT).

Achamos, contudo, que o princípio da autonomia da vontade, ainda que limitado, permanece de pé no art. 444, não devendo ser esquecidas as cautelosas palavras do professor van Goethem: "Em certos campos é desejável a sua conservação e, até, o seu desenvolvimento, por isso que uma disciplina muito rígida e muito minuciosa pode, por sua vez, importar em abusos, e o dirigismo nem sempre é sinônimo de progresso real. Há uma medida a conservar".3

2. Forma do contrato - Consensual, não solene, normalmente não exige a legislação forma especial para o contrato, que pode ser verbal e tácito (art. 443 da CLT). O princípio geral da matéria, porém, encontra-se disposto no art. 104 do Código Civil: "A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei". Assim, cada vez que a lei, em casos especiais, exigir determinada forma ou proibir outras, a elas deve conformar-se o contrato de trabalho. A legislação comparada, por exemplo, exige forma escrita, expressa ou solene em certas modalidades de contrato. Entre nós, o art. 107 do Código Civil estabelece expressamente que "a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir". No passado,

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o contrato de trabalho marítimo (ajuste) deve ser celebrado por escrito, como o exigia o art. 543 do Código Comercial e o art. 431 do Regulamento da Capitania dos Portos, Decreto n. 5.798, de 11.6.1940.4

Limita-se a legislação do trabalho a exigir o uso obrigatório da carteira de trabalho e previdência social da qual constam alguns dados por escrito (art. 16 da CLT) sobre o contrato de trabalho, especialmente porque o art. 442 da CLT diz que "contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego".

3. Prova de contrato e de suas cláusulas - Decorrente desta mesma amplitude e liberdade de forma é o princípio geral da prova do contrato, que se encontra nos arts. 456 e 447 da Consolidação: "A prova do contrato individual de trabalho será feita pelas anotações constantes da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou por instrumento escrito, e suprida por todos os meios permitidos em direito". Dispõe o segundo: "Na falta de acordo ou prova sobre condição essencial ao contrato verbal, esta se presume existente, como se a tivessem estatuído os interessados, na conformidade dos preceitos jurídicos adequados à sua legitimidade". Quando se tratar da verificação de condição de empregado, deixa o assunto de ser da competência das autoridades administrativas da Identificação Profissional, devendo o processo ser encaminhado à Justiça do Trabalho (art. 39 da CLT).

O art. 212 do Código Civil oferece a seriação dos meios permitidos em direito capazes de servirem de prova do fato jurídico: confissão, documento, testemunha, presunção, perícia. E, complementando-o, é ainda invocável o art. 332 do Código de Processo Civil, que admite todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados naquele diploma legal. Dessa forma, admite-se a prova direta ou indireta, sendo esta última a chamada indiciária ou por presunção.

Documento obrigatório e, por isso mesmo, principal do contrato de trabalho, não representa a carteira profissional nenhum tabu. As suas anotações, feitas pelo empregador, geram presunção iuris tantum, e não iuris et de iure, podendo, assim, ser elididas por provas robustas em sentido contrário, inclusive testemunhais, desde que coerentes com o conjunto das demais provas. Assim, estabelece a Súmula n. 12 do TST, sendo assim redigida: "As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção iuris et de iure, mas apenas juris tantum".

Dá-se a divisão do ônus da prova, cabendo a cada parte provar os fatos que alega (art. 818 da CLT), podendo o juiz, como senhor da lide, deter-minar as diligências e perícias que achar por bem para o esclarecimento da causa, dentro do princípio da sua convicção (art. 765). Normalmente, cabe ao empregado (ou possível empregado) provar os fatos constitutivos do seu direito; e ao empregador, os fatos impeditivos ou extintivos desse direito alegado.5

Como muitas vezes no Judiciário trabalhista a precariedade de provas é bastante grande, pode-se trilhar o seguinte caminho na busca da verdade:

  1. Em primeiro lugar, cabe lembrar que a carteira de trabalho, nos termos do art. 40 da CLT, servirá de prova nos atos em que sejam exigidas carteiras de identidade e, especialmente, nos casos de dissídio na Justiça do Trabalho entre a empresa e o empregado por motivo de salário, férias ou tempo de serviço;

  2. Em segundo lugar, deve-se ressaltar que o juiz e os Tribunais de Trabalho têm ampla liberdade, nos termos do art. 765 da CLT, na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. Assim, não fica o juiz restrito à apresentação da carteira de trabalho;

  3. Em terceiro lugar, na apuração da verdade, o juiz deve levar em consideração o elemento pessoal da relação empregatícia, aplicando o determinado no parágrafo único do art. 456 da CLT que estabelece: "à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal". (grifo nosso)

  4. Em quarto lugar, como um elemento de interligação entre o pessoal antes mencionado e o patrimonial, a seguir referido, o juiz pode aplicar o art. 447 da CLT, uma vez identificado o serviço que o empregado se obrigou realizar, que determina: "na falta de acordo ou prova sobre condição essencial ao contrato verbal, esta se presume existente, como se a

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    tivessem estatuído os interessados, na conformidade dos preceitos jurídicos adequados à sua legitimidade". (grifo nosso)

  5. Em quinto lugar, presumida a condição essencial ao contrato, o juiz poderá atingir o elemento patrimonial do contrato aplicando o disposto no art. 460 da CLT, que estabelece: "na falta de estipulação de salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante". (grifo nosso)

    Constata-se assim que o juiz trabalhista, utilizando de sua autonomia prevista no art. 765 da CLT, poderá esclarecer a lide mesmo diante de uma situação em que a prova é precária. A própria CLT ensina o caminho a ser trilhado para esclarecer a verdade dos fatos.

    4. Contrato por prazo determinado - Trata-se de um aspecto muito especial do contrato de trabalho, uma vez que rompe com a norma geral que procura regular um pacto com indeterminação de prazo. Apesar de o empregado não ter um direito real sobre o seu emprego, presume-se que o seu serviço será prestado de forma contínua, por prazo indeterminado, salvo se houver um motivo socialmente justificável para a rescisão contratual.

    Assim, a CLT, em dois parágrafos do art. 443, procurou qualificar o contrato por prazo determinado, distinguindo-o de forma expressa do indeterminado. No § 1º do art. 443, estabelece três espécies de contrato por prazo determinado:

    1) Cuja vigência dependa de termo prefixado;

    2) Execução de serviços especificados (termos utilizado apenas neste parágrafo, razão pela qual é possível interpretar como serviços especializados);

    3) Certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

    Quanto à validade do mesmo, o § 2º do art. 443 estabelece também três situações:

    1) De serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;

    2) De atividades empresariais de caráter transitório;

    3) De contrato de experiência.

    Assim, tais formalidades foram dadas a esse negócio jurídico que entendemos estar superado o debate de o contrato por prazo determinado poder ser verbal, considerando que o caput do art. 443 usa conjunções coordenativas alternativas, quando usa as expressões tácita ou expressamente, e utiliza conjunções coordenativas aditivas, quando se refere ao prazo de terminado ou indeterminado: "O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado". (grifos nossos)

    Trata-se de uma interpretação gramatical, a mais pobre de todas, quando está claro que se trata de uma exceção à regra geral e como tal, de acordo com o ensinamento dos intérpretes romanos, exceptiones...

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