Distinção entre o Contrato de Trabalho e os Contratos Afins - O Contrato Tem- porário e a Terceirização de Serviço

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas245-255

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1. Contrato de atividade - Necessidade de distinção - Denominam-se contratos de atividade aqueles em que alguém se compromete a colocar a sua atividade em proveito de outrem mediante remuneração. Neles, como destaca Vincent, a atividade de uma das partes constitui o objeto da convenção ou de uma de suas obrigações. O Código Civil alemão oferece dois exemplos, a empreitada e o contrato de serviços, ao qual o contrato de trabalho é uma das espécies. Acrescentaremos o mandato, e, de forma heterodoxa, a sociedade, que a rigor não caberia aqui.

É óbvia e intuitiva a importância da distinção entre o contrato de trabalho e seus afins, confundidos, dissimulados no tráfico econômico diário. Tanto mais que, como sublinha Corrado, o contrato de trabalho, genérico, não dispõe de conteúdo próprio, que lhe seja inerente e só dele. Qualquer espécie lícita de serviço e de atividade pode ser objeto seu, tudo dependendo da nota subordinativa, ampla e genérica que o singulariza. E isso porque só em sendo de emprego é que desencadeia a legislação do trabalho para protegê-lo; os outros são autônomos ou terceirizados.1

2. Contrato de trabalho e empreitada - Originários ambos do direito romano, o primeiro prende-se à locatio operarum, e a segunda, à locatio operis. No primeiro, tinha-se em vista o fornecimento temporário de serviços, ao passo que na segunda se combinava a obra certa a ser realizada pelo empreiteiro. Com essas características ingressou nos Códigos modernos, inclusive brasileiros, Comercial e Civil; tanto isso é verdade que Beviláqua assim definia a empreitada: "Empreitada é a locação de serviço em que o locador se obriga a fazer ou mandar fazer certa obra, mediante retribuição determinada ou proporcional ao trabalho executado".2

Com pequenas nuanças, podemos reduzir a quatro os critérios distintivos: a) natureza ou continuidade da prestação; b) forma de remuneração; c) qualidade do empregado; d) subordinação jurídica.

3. Natureza e continuidade da prestação - Critérios de origem romana foram admitidos no Código Civil alemão de 1900, com numerosos adeptos ainda recentes, como Molitor e Jacobi. No contrato de serviço (Dienstvertrag), escreve Gierke, o prestador obriga-se a uma ação, e não a uma obra (Der Dienstpflichtige schuldet ein Wirken, aber kein Werk), como acontece na empreitada (Werkvertrag). Molitor, desenvolvendo esse mesmo esquema, distingue entre contrato de resultado (Erfolgsvertrag) e contrato de atividade

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(Taetigkeitvertrag); o primeiro, de obra; o segundo, de trabalho. Jacobi, por sua vez, opina que há empreitada quando se tem em vista um fim determinado (Ziel), com nítida determinação, concreta, da prestação; e o contrato de trabalho, sempre que a prestação se distender no tempo, mediante operações genéricas, não individualizadas em espécie.3

Por si só, não é válido esse critério, porque, como já assinalava Folch, no sistema geral de produção industrial, não existe mais uma diferença fundamental entre o que presta um serviço e o que executa uma obra, sempre que o faça, para um empregador e sob a sua dependência. Em qualquer atividade humana, tem-se sempre em vista um resultado último, porque no mundo econômico ninguém emprega sua atividade a favor de outrem, por ela mesma, como fim em si mesma. Embora apresente certa parte da verdade, pois, em geral, na empreitada tem-se em vista quase sempre somente o resultado último (daí o risco caber ao empreiteiro), a recíproca não é verdadeira. Deixariam de ser classificados como contratos de trabalho aqueles casos em que o empregado, trabalhando por empreitada, por peça ou tarefa, prometesse uma certa qualidade e quantidade de trabalho.4

4. Forma de remuneração - Assemelha-se ao critério anterior, também de origem romana. Há contrato de trabalho quando a remuneração é calculada por unidade de tempo, independentemente da efetiva produção realizada; há, ao contrário, empreitada quando a remuneração é feita pelo resultado alcançado, pela obra produzida. Esse critério, seguido pelos civilistas clássicos (Pothier, Surville, Vigié, Duranton, Marcadé, Troplong), chega até Planiol.5

Sem nenhum préstimo tal critério. Atualmente, domina no contrato de trabalho industrial e em geral parte do comercial o pagamento do empregado por peça, tarefa ou empreitada, segundo o montante de obra realizada ou negócios efetuados. Basta destacar ao art. 78 da CLT: "Quando o salário for ajustado por empreitada, ou convencionado por tarefa ou peça...". Isto é, não altera a natureza jurídica da relação de emprego a forma de calcular-se a remuneração, simples modalidade de contraprestação salarial, nada mais.6

5. Qualidade do empregador - Critério tipicamente francês foi apresentado pela Sociedade de Estudos Legislativos da França em 1905, quando da elaboração do projeto do Código do Trabalho. Para ele, há contrato de trabalho quando alguém presta serviços a um empregador profissional, quando alguém recebe ordens técnicas; há empreitada quando esses serviços são prestados diretamente ao público, isto é, a pessoas não profissionais, que não exercem normalmente atividade econômica profissional.7

Não procede infalivelmente o critério. Nem todos os contratos celebrados com empregadores profissionais o são de trabalho, que também se podem beneficiar de serviços prestados por empreiteiros (instalação de nova rede elétrica, construção de novo edifício, transporte de materiais, certas opera-ções de limpeza e higiene, etc.). Por outro lado, nada impede que um leigo, não profissional, se faça servir por trabalhadores, juridicamente seus empregados, que recebem ordens técnicas de delegados, administradores, gerentes ou assessores seus. A nota de profissionalidade de um dos contratantes - no caso, o empregador - é puramente ocasional, extrajurídica, de caráter econômico, como lembra Rouast, e, assim, irrelevante para os nossos propósitos.8

6. Vínculo de subordinação - A comunis opinio doutrinária inclina-se por este critério, embora, é claro, possam os outros ser em alguns casos esclarecedores, como notas sintomáticas. O que importa é distinguir entre trabalho autônomo (empreitada) e trabalho subordinado (contrato de trabalho). No primeiro, o risco é de quem trabalha, com liberdade de ação, métodos e costumes seus, instrumental de trabalho de sua propriedade, com livre escolha no que concerne à realização de sua obrigação. "O tra-

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balhador concentra na sua esfera a gestão técnica e patrimonial do processo produtivo, de modo que, na execução da prestação, ele é independente diante do comitente." (Litala) No contrato de trabalho, como vimos no Capítulo XIV, parágrafo 16, o trabalhador (empregado) é subordinado e depende das ordens e dos critérios diretivos para quem presta serviços, hierárquica e administrativamente. Não tem liber-dade de ação.9

Na vida real, entretanto, nem tudo se resolve assim tão facilmente. Há casos de pequenos empreiteiros, em que a sua condição pouco se distingue do trabalhador realmente subordinado, empregado típico. Cabe ao aplicador da lei verificar detidamente a natureza da prestação, a forma de sua realização e igualmente a intenção das partes. Por isso mesmo, de modo realista, trouxe a CLT para a competência da Justiça do Trabalho "os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice" (art. 652, a, III).

O Código Civil de 2002, inclusive, considera que o empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais (art. 610). O fornecimento dos materiais não se presume, devendo resultar da lei ou da vontade das partes (§ 1º, art. 610). No caso de o empreiteiro só fornecer mão de obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono (art. 612). A matéria acha-se regulada nos arts. 610 a 626 do Código Civil.

7. Contrato de trabalho e contrato de mandato - Na Antiguidade clássica, era o mandato gratuito no direito romano e muito mais relevante na prestação de atividade do que a locação, deixada para os serviços mais grosseiros e liberais. O mandato trazia em si certa nota de nobreza e desinteresse. O Código Civil alemão ainda vai defini-lo desta maneira, no art. 662: "Pela aceitação de um mandato (Auftrag), o mandatário obriga-se a realizar gratuitamente para o mandante um negócio que este lhe confiou". Quer dizer, trata-se de um contrato abstrato, que necessita de se justapor a outro concreto ou com ele combinar-se, não havendo mandatos assalariados por esse conceito, mas simplesmente assalariados que são mandatários.

Em outros direitos positivos, menos ortodoxos, como o francês, o italiano, o brasileiro, tornava-se mais fácil a confusão entre mandato e contrato de trabalho, construindo a doutrina os seguintes critérios para distingui-los: a) gratuidade do mandato; b) natureza da atividade; c) representação; d) vínculo de subordinação.

Nos dias atuais, a matéria está regulada nos arts. 653 a 692 do Código Civil, sendo considerado operado o mandato "quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses". (art. 653)

8. Gratuidade do mandato - Segundo este critério, de índole romanista, há mandato quando há prestação de serviço sem contraprestação remuneratória. A gratuidade do mandato opõe-se à onerosidade do contrato de trabalho, no qual pelo serviço prestado deve ser efetuado o necessário pagamento salarial. Atualmente, o art. 658 do Código Civil define que "o mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa".

Seria verdadeiro esse critério ao tempo de Paulus, que assim o admitia no Digesto, ou mesmo, mais modernamente, de Pothier; mas já em 1804 dispunha o Código Civil francês sobre o mandato remunerado (art. 1.986). Atualmente, deu-se uma completa inversão, pois raros são os mandatos gratuitos. E a seguir-se tal opinião, os excedentes de mandatos...

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