Fontes, Aplicação e Interpretação do Direito do Trabalho

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas160-171

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1. Conceito de fonte do direito - Fontes materiais e fontes formais - É sabido que com a expressão fonte do direito está-se diante de uma metáfora. Em sentido amplo, na linguagem comum e no direito, fonte significa aquilo de onde se origina alguma coisa, de onde parte, jorra, nasce algo que começa a existir e não existia antes. Claro que isso não basta, por excessivamente ambíguo, ao rigorismo de uma terminologia técnica e possivelmente científica.

No campo estritamente jurídico, Claude du Pasquier aceita a metáfora como boa e exata. Trata-se de indagar, diz, de onde partiu a regra jurídica, das profundezas da vida social, para surgir à superfície do direito. Horvath, pelo contrário, vê na expressão uma fonte de enganos e de inexatidões. A palavra é equívoca, confusa, imprecisa. Nunca se sabe bem o ponto exato da possível fonte, se antes, durante ou depois do aparecimento à superfície.1

Com foros universais de aceitação na teoria geral do direito, se não desaparece totalmente, fica logo amenizada a ambiguidade desde que se deem os seus conceitos exatos. Deixando de lado as fontes históricas (objetos ou atos exteriores pelos quais se pode extrair o conhecimento das regras concretas dos direitos existentes em determinada época), podem elas ser ainda materiais e formais.

Fontes materiais, reais ou primárias significam os fatores ou elementos que determinam o conteúdo das normas jurídicas. A rigor, trata-se de problema estranho à ciência do direito em sentido rigoroso, isto é, à técnica do direito. Prende-se mais a objeto ou tema de sociologia, de filosofia ou mesmo de teologia jurídica (vide nota 3 do Capítulo XI). A norma jurídica encontraria sua origem em Deus, na natureza das coisas, na razão humana, na consciência dos ho-mens (Korkounov), nos fatos normativos da própria sociedade (Jellinek), solidariedade social (Durkheim, Duguit). Nada disso esclarece o problema técnico de direito positivo, por mais relevante e erudito que seja.

Com maior ou menor ênfase, sempre souberam os teóricos do direito que a norma jurídica é (ou deve ser) feita para regular a vida dos homens (e não dos anjos) em sociedade. Logo, a norma positiva surge sempre do meio social e para ele se volta, regulando-o neste ou naquele sentido, segundo o valor dominante que a informa. O direito é sempre o construído pelo homem, a sua decisão política, diante do dado social que lhe é oferecido. Assim, variando de um extremo ao outro - do materialismo ao idealismo -, é sempre o fato social a fonte primária ou material do direito, mas não de modo automático e direto. Várias são as opções possíveis dentro da mesma sociedade, tudo dependendo de quem seja o detentor do poder político no momento.

2. Fontes formais - Ainda também equívoca e algo imprecisa a expressão, entendem-se como fon-

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tes formais os processos de manifestação da norma jurídica pelos quais se reconhece a sua positividade. Ponto central da teoria geral do direito (Del Vecchio, Roubier, Gurvitch, Ed Maynez), indagam-se aqui as maneiras por meio das quais a norma jurídica é elaborada, como se manifesta, quais as suas características exteriores capazes de lhe emprestarem validade.2

Adverte Korkounov que esse problema surgiu com a escola histórica. Antes dela, todo o direito se reduzia à lei, representativa da vontade do soberano, ato do príncipe, por isso mesmo inquestionável, e tudo parava aí. Com o Estado de direito, procura-se o instrumento formal em que se baseia o comando da norma jurídica. Embora sem aceitarmos todos os corolários da escola de Kelsen e Merkl, razão assiste à sua teoria da gradual construção da norma (Stufenbautheorie), quando diz que o importante não é saber a origem da constituição, e sim discutir a sua validade. Escreve o primeiro deles: "O direito como ordem, ou ordem jurídica, é um sistema de normas jurídicas... As normas do direito não valem em virtude do seu conteúdo... Uma norma vale como norma jurídica somente porque foi sancionada sob uma forma bem determinada, porque foi produzida de acordo com uma regra bem determinada, porque foi produzida segundo um método específico. O direito vale somente como direito positivo, isto é, como direito instituído".3

3. Fontes materiais e fontes formais do direito do trabalho - Deixando de lado, por inexpressivo, o problema das fontes materiais do direito do trabalho,4 que se confundem com os seus próprios fundamentos e suas razões históricas, diretamente saídas do húmus social, podemos dividir as fontes formais do direito do trabalho em heterônomas (lei, regulamento, sentença normativa, regulamento de empresa, quando unilateral) e fontes autônomas (de costume, convenção coletiva e ainda regulamento de empresa, quando bilateral). Deve-se essa distinção à particular índole do direito do trabalho. Chamam-se heterônomas porque o comando normativo vem de fora da vontade das partes ou da parte principal, seja o Estado, o tribunal do trabalho ou o próprio empregador. Dizem-se autônomas, pelo contrário, porque são os interessados que constroem, remota ou proximamente, a norma a que deverão se submeter, isto é, autodisciplinam a sua vida econômica e profissional. Inclui-se aí o regulamento de empresa, quando oriundo dos conselhos de empresa ou de convenções coletivas.

Variam muito os critérios adotados para a classificação das fontes do direito do trabalho. Com razão, pôde escrever D’Eufemia: "No direito do trabalho, como em qualquer ramo do direito, as fontes, isto é, os meios de produção das normas jurídicas podem ser objeto de numerosas classificações". Não vamos dar aqui os diversos critérios adotados por este ou aquele doutrinador, o que nos levaria muito longe, emprestando dimensões maiores a este ensaio, que desejamos breve. Contudo, discordamos frontalmente dos que apresentam os tratados e as convenções internacionais como fontes independentes. Tais atos internacionais não possuem vida própria, independente da retificação pelo Congresso Nacional, dependendo, assim, da lei. É esta que lhes dá validade. Logo, basta a lei como fonte genérica, sem discriminação entre as fontes interna e internacional.5

Tantas são as possibilidades de se classificar as fontes, que se poderia fazer também tendo como base a origem da norma, uma vez que no Direito do Trabalho há a convivência entre aquelas oriundas do Estado e as elaboradas pelas partes, formando um complexo de normas jurídicas. Esse termo é oriundo do latim norma e do grego gnorimos, que significa esquadria ou esquadro, fazendo com que na linguagem jurídica tenha um significado de regra,

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modelo, paradigma, ou seja, tudo estabelecido em lei ou regulamento com o objetivo de servir de padrão na forma de agir. Assim, de acordo com essa perspectiva, classificar-se-iam as fontes da seguinte forma:

  1. Fontes estatais de produção: Constituições, leis, decretos e sentenças normativas;

  2. Fontes internacionais de produção: os tratados internacionais, as declarações de direitos e outras normas internacionais;

  3. Fontes negociais: o contrato de trabalho, o regulamento da empresa (quando bilateral), as convenções e os acordos coletivos.

4. A Constituição - Esta é, principalmente nos regimes que a têm escrita e rígida, a principal fonte do direito em geral e do direito do trabalho em particular. Distinguindo entre os conceitos material e formal da Constituição, escreve Du Pasquier que o primeiro encara a natureza jurídica da norma e somente reconhece como constitucionais os princípios orgânicos do Estado; enquanto o segundo refere-se à Constituição como fonte e considera como constitucional toda norma inscrita em seu texto.

Seguindo esse ensinamento, as normas materialmente constitucionais são as que integram a estrutura fundamental do Estado, incluídas ou não no texto, compreendo as referentes à: a) Forma de Estado (definem o Estado federal); b) Forma de governo (democracia); c) Modo de sua aquisição (sistema eleitoral); d) Exercício do poder (atribuições de seus órgãos); e) Estruturação dos órgãos do poder (Legislativo, Executivo); f) Limites de sua ação (garantia dos direitos fundamentais). Como incluídas no texto constitucional, podem ser consideradas as normas relativas à divisão e organização do poder, as garantias de direitos individuais e a ordem econômica e social. Como não incluídas, as normas contidas no DL n. 200, de 25.2.1967 (reforma administrativa), no art. 647 do Código Processo Penal (habeas corpus) e na Lei de Previdência Social (Leis ns. 8212 e 8213, ambas de 1991).

Por serem escritas e rígidas, dão as constituições modernas maior garantia e salvaguarda às normas ali contidas.6 O direito do trabalho brasileiro, por exemplo, desde 1926 e, muito especialmente, a partir de 1934, deu ingresso no texto constitucional, beneficiando-se, assim, dessa maior garantia, colocando-se num plano institucional mais elevado em relação às leis ordinárias. Atualmente, a Constituição de 1988 inscreve numerosas disposições trabalhistas em seu texto, como já o faziam as de 1934, 1937, 1946 e 1967. Já a elas nos referimos no item 2 do Capítulo VIII.

Dessas disposições, é claro, nem todas são desde logo autoexecutáveis, já que as normas constitucionais, em não raros casos, dependem de regulação posterior (não autoexecutáveis) e também podem ser meramente programáticas, como simples princípios. Programático, por exemplo, é o enunciado contido no art. 193, que apresenta o princípio básico da ordem social, a fim de que se realizem o bem-estar e a justiça sociais. A Constituição de 1988, ao contrário das anteriores, dispõe no § 1º, do art. 5º: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

Como afirmei antes, no capítulo VIII, as normas constitucionais, em qualquer hipótese, de acordo com o ensinamento de José Afonso Silva, têm sempre eficácia imediata, porque revogam de forma automática outras normas ou, pelo menos, porque inibem o legislador ordinário de elaborar leis contrárias aos seus princípios. O renomado...

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