Relações do Direito do Trabalho com as Ciências Sociais

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas154-159

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1. Conceito de ciências sociais - As ciências sociais apresentam um denominador comum, que consiste em estudarem todas elas o homem como parte integrante de um grupo, de um conjunto coletivo maior que o envolve e o cerca por todos os lados. A economia, a história, a política, a sociologia, o direito - para citar somente algumas delas - não podem nunca abandonar o conceito de vida coletiva, a noção de convivência humana, a ideia de relação inter--humana. Cada uma procurando lançar luz sobre o problema do homem em sociedade, encarando-o em momentos diferentes de sua vida, visando-o sob ângulos diversos, encontram-se diante de um dado concreto inequívoco - o pan-antropos (Mensch--All), como o denomina Stoltenberg. É esse aspecto interativo que precisa ser ressaltado, pois que é na comunicação e no contrato, processos sociais básicos, que se baseia e estrutura toda a vida social.1

2. A sociologia - É a mais ampla das ciências sociais, mas não pode ser com elas confundida, nem as abrange todas como o gênero às suas espécies. Já se encontra superado o que Gaston Richard chamou de imperialismo sociológico de Comte e Spencer e mesmo de Durkheim, falecido em 1917, que incluíam ou dissolviam praticamente as outras ciências sociais na sociologia. O seu objeto, particular, consiste em abstrair dos fatos sociais aquilo que lhes seja peculiar, válido universalmente. Refere-se às formas fundamentais e aos processos de associação, qualquer que seja o objeto dessa associação, na sua estrutura, organização, em sua mudança e seu desenvolvimento. Cuida ela do estudo das relações sociais, dos processos e das formas da convivência humana. O seu objeto não é o indivíduo, mas a pessoa social, e dessa interessa-se pelas suas ações.2

Em nenhum exemplo é mais flagrante dessa convivência humana do que o trabalho, sempre cooperativo, como fator de solidariedade e interdependência entre os homens. A divisão do trabalho social, a diferenciação social de atividades e profissões e de conflito, as formas de organização do trabalho e da produção, tudo isso constitui objeto da sociologia, como ciência da natureza, e do direito do trabalho, como disciplina normativa.3

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3. A sociologia industrial ou do trabalho - Para estudar detidamente esses fenômenos sociais de produção constitui-se nos dias de hoje uma sociologia especial, chamada por uns de sociologia da empresa (Betriebssoziologie); por outros de sociologia industrial; por outros, ainda, de sociologia do trabalho, nome que preferimos, por mais amplo e compreensivo. Objeto é, mais ou menos, comum: o estudo das formas sociais de produção, das relações entre os homens no processo produtivo, como se organizam e quais os efeitos que daí se originam. De mais restrita, a princípio, da empresa, passou a abranger toda a vida social ou todo o mundo do trabalho.

Miller e Form assim conceituavam a sociologia industrial bastante mais tarde: "Entre outras coisas, a sociologia estuda a conduta grupal, o status social e os papéis que os indivíduos desempenham nos grupos. A sociologia industrial aplica meramente os métodos e os conceitos da sociologia geral ao campo das relações de trabalho. O campo da sociologia industrial pode ser convenientemente definido como o estudo de: 1) trabalho em grupo e relações de trabalho; 2) o papel que o trabalhador desempenha no trabalho em grupo; 3) a organização do trabalho na empresa". Friedmann define a sociologia do trabalho como o estudo, sob seus diversos aspectos, de todas as coletividades humanas que se constituem na ocasião do trabalho.4

Essa sociologia especial, abrangedora também das chamadas relações humanas na indústria, foi uma resposta ao scientific management de Taylor e seus adeptos. A despeito dos seus perigos de manipulação, não há como negar que suas pesquisas e seus resultados superaram o taylorismo primitivo, moralmente mecânico e fisiológico. O elemento psicológico, motivacional e social do tipo de relações gerais (inclusive sindicais e coletivas, dentro e fora do recinto do trabalho) da empresa.

Ao correr-se os olhos num tratado, ou curso de sociologia industrial, tem-se a impressão de estar-se lendo uma obra de direito do trabalho. A temática é a mesma - história social, empresa, sindicato, convenção coletiva, greve, mulheres e menores, etc. Contudo, nas corretas palavras de Dahrendorf, enquanto a sociologia industrial é uma ciência racionalizadora do mundo de nossa experiência (neutra), a teologia, o direito e também a teoria econômica da empresa são disciplinas normativas.

Os inquéritos, as pesquisas, os dados reais e estatísticos são oferecidos ao jurista pelo sociólogo, a quem não cabe indicar os fins práticos e a forma de melhor organização. Contudo são estudados os fatores de ajustamento e de desajustamento social, muitas vezes surpreendidos fora e longe do local de trabalho, tais como a vida doméstica, os grupos de vizinhança, as influências políticas e ideológicas. Nenhum estudo exaustivo do trabalho humano, dentro de uma doutrina ou teoria do trabalho, pode dispensar a sociologia do trabalho e o direito do

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trabalho, ao lado da doutrina econômica, política, tecnológica, pedagógica, psicológica e da medicina do trabalho. Como lembra Söllner, vai caber à sociologia a pesquisa dos fatos sociais, da situação, da vida do trabalho, sem normatividade. E com isso é da maior importância o auxílio que ela presta ou pode prestar ao direito do trabalho.5

4. Conceito e objeto da economia - A economia política, como ciência social autônoma, é mais antiga do que a sociologia. Como ciência autônoma, inexistente na Antiguidade, surgiu somente com a obra de Montechrétien, em 1615, sob o título de Traité de l’Économie Politique. Econômico, para os gregos, como na obra de Xenofonte, significava o governo da casa, da vida doméstica, em sentido amplo.

O valor fundamental na ciência econômica é a utilidade. Volta-se ela para o estudo da produção, aquisição ou utilização de bens, com a finalidade de satisfazer às necessidades humanas, aí incluídas também as espirituais. Mesmo para os marxistas, que colocam o trabalho como o valor primordial, não há como fugir de que esta "produção e repartição do trabalho social" tem em vista o consumo, a utilidade dos produtos ou dos serviços, enfim, a troca e o consumo. "As necessidades", escreve Charles Gide, "constituem o motor de toda atividade econômica. Neste capítulo se pode incluir toda a Economia Política. Nossas necessidades e nossos desejos buscam sua satisfação fora de nós. A princípio indeterminados, fixam-se em um objeto: a necessidade de alimento fixa-se no pão, a de vestuário, nos sapatos, a de recreação, no cinema. Esta propriedade notável, própria de certos objetos, para satisfazer a qualquer das nossas necessidades, de servir à manutenção da nossa vida ou ao acréscimo do nosso bem-estar, chama-se utilidade (da palavra latina uti, servir-se de)".6

De qualquer maneira, por este ou aquele critério, inclusive dentro do ponto de vista (mais antigo) daqueles que apontam a economia política como a ciência da riqueza, conclui-se que essa manifestação do conhecimento tem por objeto a produção, a...

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