Relações do Direito do Trabalho com os demais ramos da Ciência Jurídica

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas147-153

(*) Para um estudo mais aprofundado e extenso, vejam-se a nossa Introdução ao direito do trabalho. Rio de Janeiro, 1956. v. II, p. 185-538, e o nosso Tratado elementar de direito do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro, 1965. v. 1, p. 141-157.

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1. Justificação do capítulo - Necessidade de relacionar - Durante muito tempo, os especialistas do Direito do Trabalho viveram excessivamente dedicados a cavar cada vez mais fundo o fosso que os separava dos outros ramos jurídicos, preocupados com a sua autonomia e a novidade da sua matéria. Chegaram a exageros de rompimentos históricos e de separatismos doutrinários. À época, compreendia-se tal atitude, já que se tratava de conquistar um lugar ao sol. Hoje em dia, no entanto, reconhece a maioria dos cultores do Direito do Trabalho que esse período já foi superado e que chegou o momento de reaproximar essa espécie jurídica às suas semelhantes mais antigas e às mais recentes, sem qualquer medo de reabsorção, antes, com pleno sentimento de maior autonomia e de mais profundo destaque. À maneira do realce da personalidade humana na teoria sociológica de Simmel,1 a mesma coisa deverá ocorrer com o Direito do Trabalho: quanto maior o relacionamento, maior será o número de caminhos cruzados, redundando no enriquecimento do seu campo, mais rico e mais singular.

Para que a ciência do direito exista, mister se faz que seja coordenadora e unitária, embora sem exageros. As suas partes, adverte Sarfatti, não devem ser mecanicamente separadas, de vez que se está diante de um corpo vivo e intercomunicável, interdependente. No direito administrativo, seguiu Gascón y Marín o mesmo caminho, pois que o exame da sua noção impõe o estudo de suas relações, para melhor caracterizar o que o une às outras disciplinas e o que as diferencia.2

2. Com o direito administrativo - Podemos, com Aftalion e Garcia, definir o direito administrativo como o "complexo de normas jurídicas que regulam a organização e a atividade da administração pública em sentido formal. Incluem-se aí todos os atos emanados do poder executivo, embora tenham alguns, do ponto de vista material, outra natureza".

Nos últimos tempos, os conceitos no Direito Administrativo sofreram profundas alterações, a partir do momento em que a ideia de constitucionalização do Direito passou a ser "associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e nas regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as nor-

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mas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares".3

Por tais razões, há necessidade de redifinir o Direito Administrativo, tendo cabido a Marçal Justen Filho o pioneirismo de fazê-lo sob a óptica dos direitos fundamentais:

O direito administrativo é o conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.4

Assim, a Administração Pública passa a ser um instrumento para a realização dos Direitos Fundamentais, voltada a melhorar a sua capacidade de enfrentar os desafios oriundos da nova realidade de gestão e da própria democracia. Quanto à nova realidade, o seu maior desafio diz respeito à tentativa de impedir a "fragmentação de políticas, a qual pode ser atribuída à falta de coerência, consistência e coordenação na formulação e na implementação de políticas, programas ou projetos, e lida com a categoria integração".5

Direito novo e recente, como o do trabalho, possuem os dois como que as mesmas causas comuns de surgimento e crescimento. A princípio, cingiam-se as funções do Estado a duas primordiais, de ordem interna e segurança externa, no que se refere à liber-dade e propriedade na vida social nos simples da coexistência. Nada mais do que isso. Era a isso que os doutrinadores denominavam funções ou fins essenciais, absolutos ou necessários. Com o crescimento industrial e novas formas de organização dos interesses econômico-sociais, teve o Estado de ampliar as suas funções, admitindo outras chamadas à época de facultativas ou suplementares. A princípio, tomadas excepcionalmente, deviam-se essas medidas à ampla margem concedida ao Estado pelo poder de polícia, dentro da esfera da discricionariedade do poder público. Em caso de necessidade, de calamidade, de ameaça à ordem, à saúde pública, etc., logo se via a administração levada a intervir e propor medidas concretas para o caso emergente. Daí surgiram as primeiras leis do trabalho - higiene e segurança do trabalho, menores, mulheres, inspetores do trabalho, tribunais do trabalho, e assim por diante.

O novo texto constitucional não repetiu o dispositivo sobre os sindicatos como órgãos de colaboração com o Estado, uma vez que, embora obrigue o registro dos seus atos constitutivos no Ministério do Trabalho, restringe a intervenção do Estado nos órgãos sindicais (art. 8º, I).

Com a criação de uma agência pública própria (Ministério do Trabalho); com a organização da previdência social; com a formação de novos serviços públicos de mão de obra, de orientação profissional, de colocação, de aprendizagem, de readaptação, muito se adentrou o direito administrativo nos problemas do direito do trabalho, fazendo-os seus. Não podem ser esquecidos todos os organismos administrativos do trabalho marítimo e aéreo, pelas implicações de interesse público e de segurança nacional de que se revestem.

Da maior importância também são as multas administrativas contidas, praticamente, em todas as leis trabalhistas cobráveis executivamente pela Advocacia da União. Constitutivos, na sua maioria, de um verdadeiro direito administrativo do trabalho, inclusive no que respeita à Justiça do Trabalho, colocam-se os institutos do direito do trabalho quase numa zona cinzenta, tanto de um como de outro ramo. Basta abrir-se um curso ou um tratado de direito administrativo, e lá se encontrarão essas medidas e esses institutos, inclusive no que respeita à legislação social, no estilo antigo.6

Com a burocratização das empresas, cada vez mais se aproximam as duas administrações, a pública e a privada, no que se refere à estabilidade do pessoal, às garantias, à promoção, à organização de quadros, e assim por diante. Alguns autores pretendem mesmo incluir o direito atinente aos funcionários públicos (Beamtenrecht) dentro dos quadros do direito do trabalho (Arbeitsrecht). Isso sem falar nas zonas conflitantes em que os dois direitos se entrecruzam e se

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confundem (serviços industriais do Estado, empresas incorporadas, pessoal de obras, contratos especiais nas autarquias, etc.). Pelo visto, são estreitíssimas as relações do direito do trabalho com o direito administrativo, não se sabendo bem onde começam os limites de um e onde terminam os do outro, dependendo tudo de mero ponto de vista.7

Inclusive com a Emenda Constitucional n. 45, passou a competir à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. (Art. 114, VII)

3. Com o direito penal - Se todo direito é coativo, culmina a sanção social no direito penal, realizando com maior energia e profundidade aquilo que as outras espécies jurídicas não puderam alcançar ou não dispuseram de meios ao seu alcance para realizar. Daí o particular caráter sancionatório do direito penal.8

Chegaram alguns autores, notadamente na Itália, a admitir um direito penal do trabalho autônomo, o que é um absurdo e um exagero. Estreitas são, entretanto, as relações entre o direito penal e o direito do trabalho. Basta recordar todo o título atinente aos crimes contra a liberdade e organização do trabalho constante do Código Penal, arts. 197/207: atentado contra a liberdade de trabalho, atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta, atentado contra a liberdade de associação, paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem, paralisação de trabalho de interesse coletivo, invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, sabotagem, frustração de direito assegurado por lei trabalhista, frustração de lei sobre nacionalização do trabalho, exercício de atividade com infração de decisão administrativa, aliciamento para fim de emigração, aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional.

Em 2001, a Lei n. 10.224, de 15 de maio, alterou o Código Penal...

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