Conceito Geral de Trabalho e Direito do Trabalho

AutorEvaristo de Moraes Filho - Antonio Carlos Flores de Moraes
Ocupação do AutorProfessor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas39-45

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1. Estudo etimológico - Dificilmente encontraríamos uma palavra mais equívoca e ampla do que esta, com uma infinidade de significações. Quanto à sua etimologia, é assunto discutido e obscuro até hoje. Segundo Tilgher, os gregos (a Antiguidade em geral) conceberam o trabalho como um castigo e como uma dor; basta lembrar que o termo grego pónos, que significa trabalho, tem a mesma raiz que a palavra latina poena. Em ambos está presente a mesma ideia de tarefa penosa e pesada, como em fadiga, trabalho, pena. Para Lucien Fébvre, a palavra veio do sentido de tortura - tripaliare, torturar com o tripalium, máquina de três pontas. Na observação de Robertis, não possui a Antiguidade uma palavra equivalente a nosso trabalho, na qual se destacam as notas de fadiga e de pena, mas igualmente a de força e altivez, exaltada vigorosamente pela consideração social.

Apesar do debate e das hipóteses, vence hoje a opinião de que "trabalhar se prende ao neutro latim palum, fonte do português pau, por meio de um adjetivo tripalis, ‘composto de três paus’, de que se deduziu um neutro tripalium, apenas atestado em variante trepalium, ‘ecúleo’ cavalete de três paus, usado para sujeitar os cavalos no ato de se lhes aplicar a ferradura". Dessa concepção, passou tripaliare, alterado por assimilação em trapaliare, a dizer-se toda e qualquer atividade, mesmo intelectual. Eis aí a lição do Padre Magne.1

Basta essa simples origem etimológica da palavra trabalho para que fique demonstrada sociologicamente a sua tradição carregada de valores, ora depreciativos, ora penosos. Através dos tempos, veio sempre o vocábulo significando fadiga, esforço, sofrimento, cuidado, encargo, em suma, valores negativos, dos quais se afastavam os mais afortunados.

2. Conceito de trabalho na atividade humana - Abandonando o conceito físico e químico de trabalho (do qual cuidamos em outros locais),2 cego para todos os valores, wertblind, na terminologia de Radbruch, podemos dizer que, como atividade humana, o trabalho, em um conceito genérico, não particularizado, é "o objetivamente correlativo do impulso, isto é, a aplicação da força impulsiva a qualquer produção ou realização de um fim humano" (Paul Natorp).3

Com esse conceito abrangemos todos os possíveis ângulos do trabalho, oriundos dos diversos conhecimentos humanos (fisiologia, psicologia, psicotécnica, economia, direito, filosofia, etc.). Sem dúvida alguma, o vocábulo é complexo. Mostra Battaglia a equivocidade do seu conceito, compreendido de modo geral (eu trabalho); como coisa

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trabalhada ou produzida, como produto (este livro é meu trabalho); como fadiga ou esforço desenvolvido para produzir (grande é o trabalho para conduzir uma boiada).4

O trabalho é inseparável do homem, da pessoa humana, confunde-se com a própria personalidade, em qualquer de suas manifestações. Pode-se dizer dele, como já lembrou alguém, a mesma coisa que dizia Bossuet da religião em seu aspecto moral: "é o todo do homem". Identificou-se, pois, a ciência do trabalho com a própria antropologia, como o estudo do homem, encarado como um todo indivisível e inteiriço, como uma mônada de valor. O homem que pensa, planeja e age (o homo sapiens e o homo faber) vive em perfeita harmonia, em luta constante com a natureza, transformando-a, moldando-a a seus interesses, criando um mundo artificial acima e ao lado do mundo natural. Cultura significa exatamente a sistematização e harmonia de todos os conhecimentos e habilidades, do equipamento civilizador e da individualidade tradicional de um povo, sua constituição social e mental, em um determinado corte transversal no tempo (Thurnwald). É impossível um conceito metafísico de trabalho, como finalidade de si mesmo, sem relacionamento com grupos, sociedades, contextos coletivos.5

3. Conceito econômico de trabalho - Na ânsia de satisfazer suas necessidades materiais, vê-se o homem obrigado a conquistar a natureza, retirando dela a matéria-prima indispensável aos seus produtos manufaturados, que, transformados em mercadorias, entrarão em circulação na sociedade. O homem, como todos os animais vivos, escreve Sombart, deve dedicar grande parte da sua atividade para satisfazer suas necessidades materiais, para prover a própria manutenção. Deve, por isso, produzir bens, transformando o que a natureza lhe oferece; deve depois distribuí-los e afinal consumi-los.

Como satisfação das necessidades humanas, caracteriza-se o trabalho como útil; a utilidade é a sua nota econômica. O útil em economia possui assim o caráter de um meio físico para o objetivo final da satisfação das necessidades humanas. Este, o valor supremo em economia, diante do qual se apagam os outros valores criados pelo homem. Podemos, pois, definir o trabalho, do ponto de vista econômico, com Francesco Nitti, como "toda energia humana empregada tendo em vista um escopo produtivo". Ou nas palavras de Reboud, ainda mais precisas: "Do ponto de vista econômico, um homem trabalha quando faz esforços tendo em vista produzir um bem ou prestar um serviço".6

É óbvio que se encontram aí incluídas todas as manifestações do trabalho econômico, material, técnico ou intelectual; no setor primário (rural), secundário (atividade manufatureira ou industrial) e terciário (serviços de qualquer espécie). Deixamos de lado a querela do trabalho-valor: para nós, todo trabalho é útil e produtivo, desde que dentro do tráfico econômico, parte integrante do aparato ou do equipamento civilizador do homem.

4. A cooperação do trabalho - Divisão social do trabalho - Todo trabalho humano é, desde os tempos primitivos e por definição, um fato coletivo, sendo a cooperação sua nota característica e essencial. Uns dependem dos outros, as tarefas se realizam através da armação de um mosaico, fragmentário a princípio. Essa dependência pode ser direta ou indireta, mas todos se encontram no mesmo estado de precisão do trabalho alheio, levado a efeito em outros lugares e em outros tempos.

Entende-se por divisão do trabalho social, de cooperação simples, a distribuição dos indivíduos pelas diferentes atividades ou profissões de uma determinada sociedade; diferenciam-se, portanto, em funções diversas. Por divisão técnica do trabalho compreende-se a especialização ainda mais minuciosa dentro de cada atividade ou profissão. Nesta, constitutiva de um verdadeiro organismo de produção, dentro da mesma unidade econômica, o indivíduo realiza uma tarefa distinta e fragmentária, sem consciência, às vezes, da totalidade de seus esforços conjugados.

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Com a industrialização moderna levou-se ao máximo esta especialização, a que Friedmann chamou de "trabalho em migalhas", retirando do trabalhador a visão total do produto acabado, alienando o homem e o isolando na sua tarefa minudente de rotina. Tornou-se célebre o exemplo de Adam Smith, na fabricação de alfinetes (1776), mostrando as 18 diferentes operações para terminá-lo com muito maior rendimento mediante a distribuição de tarefas individuais. Cooperativo em bloco, na própria socie-dade; cooperativo continua o trabalho dentro de cada atividade, na empresa ou na oficina.7

5. O trabalho e o homem - A psicotécnica - Racionalização - A divisão técnica do trabalho fomenta a produção, sem dúvida, mas criou ao mesmo tempo problemas novos na sociedade moderna. A técnica não é tudo, alguma coisa ficava de fora, e talvez a mais importante: o lado ético e humano da pessoa que se encontra no trabalho. Já hoje em dia se acham superadas as soluções tayloristas de racionalização do trabalho, mas ficaram as suas consequências indiretas benéficas, consubstanciadas na psicotécnica ou psicologia aplicada, que procura dar um conceito fisiopsicológico do trabalho, tanto quanto possível, bem próximo das reais possibilidades humanas. Trata-se de pesquisar, como destaca Liesse, as condições do trabalho no estado de saúde da máquina humana como produtora de energia.

Mas nem isso basta, não se pode reduzir o trabalho a termos de gordura e de fadiga. "Por mais estreitamente que o trabalho pareça depender das funções fisiológicas, escreve Henri Wallon, a correspondência não é imediata, mas se subordina ao grupo dos reflexos e das reações resultantes da existência total do indivíduo."8 Com isso alcançamos a psicoténica, a psicologia aplicada, os estudos de orientação e de seleção profissional. É preciso escolher a melhor profissão para o indivíduo, de acordo com a sua vocação e suas aptidões (testes); ao mesmo tempo que se deve escolher o melhor indivíduo para a profissão ou ocupação do mercado da mão de obra, de acordo com os seus conhecimentos especializados. Exagerou-se, porém, ainda mesmo até depois da Primeira Guerra Mundial, esse aspecto da racionalização do trabalho como fator único...

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