Perícias médicas 'em todas as áreas

AutorRubens Cenci Motta
Ocupação do AutorMédico - Especialista pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego
Páginas211-251

Page 211

A Iniciação em Perícias Médicas exige a revisão de alguns conceitos e apresentação de outros complementares, e assim, temos que em todas as áreas de atuação do Perito Médico, alguns atributos pessoais são de grande relevância na sua atividade.

A saber:

  1. Sólida formação clínica;

  2. Conhecimento da legislação pertinente;

  3. Conhecimento de profissiografia;

  4. Disciplina técnica e administrativa;

  5. Integridade e independência de atitudes;

  6. Facilidade de comunicação, expressão descritiva e de relacionamento.

16.1. Perícia médica nos dort

Os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, classicamente denominados, tanto na área médica como no campo dos Operadores do Direito, como "Dort" (que também, por vezes, são entendidos como sinônimo de LER - Lesão por Esforço Repetitivo), são um conjunto de patologias que incluem, essencialmente, síndromes dolorosas que têm como uma de suas diversas causas a forma como se realizam as atividades de trabalho.

A nomenclatura Lesões por Esforços Repetitivos (LER) começou a ser utilizada no final da década de 1950, para designar um conjunto de patologias, síndromes e/ou sintomas musculoesqueléticos que acometem particularmente os membros superiores, relacionando-se o seu surgimento ao processo de trabalho (Santos Filho; Barreto, 1998).

Tal conceituação, simplificada, foi consagrada pelo uso no âmbito médico e do direito, embora imprecisa e, atualmente, considerada por alguns como inadequada. Todavia, é possível, sem modificar este uso consagrado, entendê-la complementando as informações, observando e considerando alguns conceitos técnicos e processuais - como, de fato, se espera que ocorra com quem lida no campo do Direito Médico, especialmente no que contemporaneamente se denomina Direito Médico Trabalhista, agregando estas complementações elucidativas, de forma sistemática - quando da sua utilização, especialmente na forma da sua apresentação nos laudos dos Peritos Médicos.

Negá-lo ou mesmo modificá-lo não se justifica nem é o mais apropriado, pois isso, certamente, irá gerar confusão e imprecisão, dificultando a correta interpretação dos elementos da técnica médica pelo leigo e, consequentemente, poderá não surtir o devido efeito jurídico esperado. Portanto, toda a "energia" que se dispensaria para modificá-lo, por ser desnecessária e não consensual, deve se empregar na sistematização da informação para a formação adequada de especialistas na matéria, visando a compor um quadro de auxiliares

Page 212

da justiça com a devida expertise, mas sensibilizados para a forma de ideal de apresentar os "Dort" aos Magistrados. Ao longo do tempo, naturalmente, a utilização do termo irá se aperfeiçoar, agregando gradativamente elementos técnicos atualizados e comuns às duas áreas de atuação, Medicina e Direito.

16.2.1. Característica dos Dort
  1. Algumas atividades de trabalho envolvem movimentos e posições (incluindo as estáticas e sem tempo suficiente de recuperação) que certamente irão trazer transtorno funcional como consequência, e sabendo que há um caráter sequencial de evolução destes transtornos que se manifestam progressivamente, como classicamente já definidos nas fases de I a IV, pode-se verificar se é um diagnóstico em condição clínica inicial ou terminal, e, também, se é necessária alguma providência efetiva, quer seja na condição de trabalho, quer na emissão de documentos de notificação obrigatórios;

  2. Os Dort constatados na fase I, sob o ponto de vista médico, não caracterizam participação ativa das partes - trabalhador e empresa - nem sequer Acidente ou Doença do Trabalho típicos e, mesmo que guardem alguma relação com a atividade (nexo), admite-se que o quadro clínico tenha se revelado por uma predisposição do trabalhador e/ou uma inadequação não previsível da condição de trabalho específico para determinado trabalhador diante das medidas preventivas genéricas e, por não haver dano, por vezes, leva à não emissão da CAT (Comunicação de Acidente no Trabalho), o que no meu entendimento é um erro. Porém, tal erro, até mesmo escusável, deve ser entendido como conduta "preventiva" adotada por algumas empresas, tendo em vista os conflitos da nomenclatura, para evitar caracterização da sua participação nesta ocorrência, pois alguns, médicos e advogados, e no nosso sistema previdenciário pelo NTEP, cometem o erro de reconhecer que a emissão da CAT nos casos de Dort leva à interpretação da existência de nexo e, portanto, culpa ou dolo. Se há susceptibilidade e imprevisibilidade, afirmo que é possível ocorrer "Dort" sem culpa! Então, neste caso, o correto, por não haver dano, tampouco culpa, mas apenas suspeição da ocorrência do Dort, se requerer, obrigatoriamente, a emissão da CAT, todavia, nesta notificação deve-se evidenciar a predisposição do trabalhador, ou impossibilidade da previsibilidade e/ou a ausência de dano (deficiência), o que oportunamente poderá revelar o que se pode chamar de "quase acidente", situação sem nenhuma participação das partes - empresa ou trabalhador;

  3. Já os Dort constatados na fase II podem caracterizar Acidente ou Doença do Trabalho típicos, se for verificado que guardam alguma relação com a atividade laboral (nexo) e, ao mesmo tempo, for verificado, por avaliação médica, que há inadequação previsível na condição de trabalho, sem ou com recorrência de exposição a fatores inadequados. Neste caso, deve emitir-se a CAT, porém, por não haver dano físico (deficiência), obrigatoriamente na emissão da CAT deverá se evidenciar se não houve ou houve recorrência de exposição a fatores inadequados.

    Nota: Também é tido como certo que quando os Dort atingem a fase II, obrigatoriamente impõem, aos setores de Saúde e Segurança das empresas, imediatas providências no sentido de se eliminar por completo os fatores de exposição, seja de má postura, movimento incorreto, elementos que possam contribuir para o surgimento de agravos, caracterizando esta providência chamada adaptação. Não havendo possibilidade de eliminação dos fatores de exposição, sabe-se que se deve promover a imediata mudança de função laboral dos trabalhadores envolvidos;

  4. Como dito, sabendo que os transtornos funcionais decorrentes do trabalho apresentam caráter sequencial de evolução, e que nas fases I e II não se observa lesão, só sintomas, sem ocorrência de dano (deficiência), e que as patologias diagnosticadas e relacionadas como Dort, numa destas fases caracterizam-se apenas como disfunção física ou mental, considera-se que elas são passíveis de recuperação completa, facilitando, em muito, a análise e julgamento da matéria;

  5. Já os transtornos funcionais classificados como Dort pertencentes à fase III são caracterizados por lesão presente, entretanto, podem não denotar dano permanente. Há dano, mas este pode regredir e se estabilizar apenas com tratamento clínico e afastamento do fator de exposição ocupacional;

    Page 213

  6. Os diagnósticos classificados como fase IV se caracterizam por já haver lesão com dano permanente, que pode não evoluir, mas também não irá regredir. Nos tempos atuais é inadmissível que ainda ocorram casos que atingem esta fase!

    16.2.1.1. Fases dos Dort como paradigmas para outras DRT

    Tal forma de apresentação evolutiva não é exclusiva de condições osteomusculares e pode, ou melhor, deve ser aplicada também nos chamados Distúrbios Relacionados ao Trabalho (DRT) que, na verdade, são toda e qualquer doença que guarde relação com o trabalho desenvolvido.

    Para fins de ilustração, vamos considerar um indivíduo que fuma cinco cigarros por dia há 6 meses, outro há 2 anos, outro há 5 anos e outro há 30 anos, apenas ponderando aspectos relacionados à instalação de uma doença chamada Enfisema Pulmonar, que se caracteriza por lesão do alvéolo pulmonar de forma definitiva. Assim, temos:

  7. É certo que todos os fumantes apresentam alguma alteração sobre os alvéolos pulmonares;

  8. Também é certo, e podemos entender, que aquele que fuma há 6 meses está numa fase I (inicial) e, se deixar de fumar, praticamente nenhuma repercussão terá sofrido e seus alvéolos pulmonares estarão normais;

  9. O que fuma há 2 anos está na fase II (ainda inicial), pois também é certo, e podemos entender, que sofreu um maior efeito nocivo (maior tempo de exposição) que aquele que fuma há 6 meses, e é possível que já tenha ocorrido, por exemplo, uma alteração nos brônquios, causando bronquite, mas ainda sem qualquer alteração alveolar, e, se este indivíduo parar de fumar, provavelmente, sua recuperação será praticamente completa. Também é fácil de entender que mesmo sem ter uma lesão permanente, se continuar fumando, suas chances de vir a desenvolver a lesão alveolar são cada vez maiores, aumentando muito o risco de instalação de um dano; portanto, para se evitar o dano, de imediato deve-se parar de fumar;

  10. O que fuma há 5 anos está na fase III, sua bronquite já pode ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT