Considerações diversas para o estabelecimento do nexo dano e quantum indenizatório

AutorRubens Cenci Motta
Ocupação do AutorMédico - Especialista pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego
Páginas111-125

Page 111

Avançando no tema "nexo", de modo prático, podemos adotar os aspectos relacionados à Perícia Trabalhista como base para o devido entendimento conceitual da associação do agente ao dano - nexo, nos outros ramos da perícia médica, visto que o trabalho é fator essencial para a socialização do indivíduo e faz parte do cotidiano das pessoas em geral. Como tal, sendo muito mais comum no dia a dia, pode ser utilizado como ferramenta de exemplo para bem agir quanto ao estabelecimento do Nexo Causal ou Concausal na função de Perito Médico.

Segundo França (2004), as leis sobre acidentes e doenças do trabalho, a proteção sócio-política em defesa do obreiro, a instituição do sindicalismo e a preocupação do salário justo são manifestações indiscutíveis de que existe uma consciência atenta para o valor que o trabalho representa no conjunto da sociedade (p. 192-204).

Temos que a ciência médica diagnostica as patologias relacionadas ao trabalho desde as épocas mais remotas45, e já se demonstra a existência de nexo entre estes diagnósticos e o trabalho desde o início da fase precursora da moderna Medicina do Trabalho, por exemplo, quando se constatou que uma doença que ocorria com as lavadeiras, hoje reconhecida como Tendinite de De Quervain ou "entorse das lavadeiras", era causada pelo trabalho que elas desenvolviam.

Referindo-se a uma abordagem diagnóstica com fins assistenciais, Assunção e Almeida (2003) relatam que:

o estabelecimento de nexo causal nestes casos deve levar em conta, além dos aspectos citados, a investigação da duração da evolução, a existência de período prolongado de exposição a fatores de risco antes da busca de tratamento médico, levando a diagnósticos tardios. Igualmente, deve-se levar em conta conflitos possíveis na relação médico-paciente, entre paciente e colegas de trabalho e/ou chefia, bem como considerar relevante a existência de outros fatores psicossociais capazes de interferir na percepção da dor e que aparecem referidos na literatura como associados com pior prognóstico e/ou dificuldades de retorno ao trabalho. O somatório desses fatores pode explicar o aspecto dito não característico do caso ou indicar a necessidade de investigação complementar acerca de outras causas (...) é importante o abandono da atitude de defesa, traduzida na exigência de comprovação impossível, à luz dos conhecimentos atuais, tanto da existência, quanto da inexistência do nexo causal (p. 1501-40).

Page 112

Segundo relata Oliveira (2005):

(...) nem a ciência jurídica nem a medicina trabalham com exatidão rigorosa dos fatos como ocorre nos domínios das ciências exatas. As provas não devem ser avaliadas mecanicamente com o rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento que conjuga fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece para formar seu convencimento (p. 357).

9.1. Patologias do trabalho

As patologias do trabalho não são somente aquelas causadas por um fator laboral, mas também as agravadas por um agente presente no ambiente ou condição de trabalho. São também decorrentes das concausas, condição que, somada à principal, concorre com o resultado mórbido, não o tendo iniciado nem interrompido, apenas reforçado.

Tradicionalmente, como já vimos, alguns autores consideram que existem alguns excludentes do nexo causal (jurídico) dos Acidentes de Trabalho, que são os que ocorrem por ação exclusiva da vítima e se caracterizam quando:

  1. A causa única do acidente foi a própria conduta da vítima (trabalhador) - Fator Humano;

  2. Caso fortuito ou de força maior, quando o acidente ocorre devido a circunstâncias ou condições que escapam a qualquer controle ou diligência do empregado ou do empregador - Incidente;

  3. Fato de terceiro, quando não há a participação direta ou indireta, por exemplo, do empregador ou do exercício da atividade laboral para a ocorrência do evento.

    Todavia, contemporaneamente, alguns autores consideram a existência do nexo causal (técnico) entre a lesão e o trabalho que se desenvolvia, independentemente de quem deu causa. Vejamos:

  4. Os eventos ocorridos por ação do trabalhador, se estabelece o nexo como Ato Inseguro, que seria melhor dito pelo Perito Médico como, nexo decorrente de Fator Humano.

  5. Os decorrentes da ação das empresas o nexo, como Situação/Condição Insegura.

  6. Aqueles em que houver participação de ambas as partes (Fator Humano e Condição Insegura) como nexo decorrente de Ação Concorrente.

  7. Aqueles em que não houve participação ativa das partes, como infortúnio, que será mais bem dito pelo Perito Médico como nexo decorrente de Incidente.

    Excetuando a indicação "Ação Concorrente", a meu ver, o uso das demais nomenclaturas (Fator Humano, Condição Insegura e Incidente) visam não suscitar entendimento de que o Perito Médico ultra-passou seus limites técnicos, adentrando no jurídico, sugerindo imputação de fato às partes, prejudicando o melhor e livre entendimento, por exemplo, dos Magistrados.

    Portanto, assim dizendo ao indicar o nexo, causal ou concausal, numa perícia trabalhista, estará relacionando a lesão não a quem deu causa (prejulgamento), mas entre a lesão e o trabalho que se realizava, o que parece procedimento correto para o Perito Médico, pois, de outra forma, estaria ele julgando, e não periciando.

    Page 113

9.2. Lesão dano - esclarecimento pela prova técnica

No caso de auxílio para julgamento de lides judiciais, é importante citar que não basta haver a lesão e o nexo desta com a condição. Para se concluir por culpa por imprudência, negligência ou imperícia, ou dolo, atribuições exclusivas do juiz, deve-se considerar que a Perícia Médica não é a única nem é uma "superprova"!

Desta forma, podemos depreender que o Perito Médico, havendo a patologia (lesão) e uma vez estabelecido o nexo, deve esclarecer a extensão dos danos, e todas as variáveis consequentes, mas, como dito e não é demais ressaltar, não deve considerar nada sobre a conduta das partes. Deve, sim, apontar as falhas encontradas, inferir sobre as ponderações que o levaram ao estabelecimento do nexo de causalidade, de modo que o juiz disponha de informações completas e esclarecedoras sobre os fatos controvertidos para que possa formar sua opinião e proferir o julgamento.

Para exemplificar a presença de situação onde temos lesão sem dano, entre outras podemos indicar aquelas alterações que se observam no exame audiométrico, evidenciadas nas altas frequências (6.000 Hz ou 8.000 Hz), ditas "frequências não sociais da audição" e que no somatório de algumas frequências (500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 4.000 Hz) as somas das perdas não ultrapassam a 100 dB, caracterizando Perda Auditiva (lesão) sem alteração na Capacidade de Ausculta Social - Audição Normal (sem dano).

9.3. Fator humano - ato inseguro

Ainda nos socorrendo da Perícia Trabalhista, alguma dificuldade de entendimento reside na indicação por parte de alguns Peritos Médicos quando constatam que o evento acidentário se deu por ação deliberada e dependente de decisão pessoal humana - trabalhador.

Como dito, em algumas oportunidades chegam a concluir em seu parecer que o evento se deu por "Ato Inseguro", o que, como dito, não se deve fazer, pois estará sugerindo julgamento do fato. Não deve fazer até porque, aos olhos do direito, nem todo "Ato Inseguro" supera uma "Situação ou Condição Insegura". Ou seja, mesmo que houvesse decisão unilateral e deliberada de um agente pessoal, Fator Humano, pode-se concluir que havia a possibilidade efetiva de previsibilidade e da possibilidade majoritária de adoção de medidas para que o evento não ocorresse, apesar do descumprimento de orientações e por decisão pessoal do agente.

Vejamos alguns aspectos apresentados num recurso processual, para melhor entender a questão:

Incontroverso nos autos o acidente de trabalho. No desempenho de sua função de operador de moinho, o reclamante enfiou a mão em uma das máquinas porque estava travada, mas ainda não totalmente desligada. Em face do acidente, ocorreu amputação de falange distal do segundo, terceiro e quarto dedo da mão direita de trabalhador destro, com perda de mais ou menos 30% da capacidade laborativa, conforme conclusão pericial (fl. 211). Ou seja, a lesão moral ficou amplamente comprovada. Somente após o infortúnio a empresa colocou dispositivo de segurança no equipamento, devendo, portanto, suportar as consequências de sua omissão. Por outro lado, ficou comprovada também a culpa concorrente. Ao depor, o reclamante confirmou que tinha sido treinado a não colocar a mão no equipamento ligado, mas descuidou-se. Entretanto, somente se a empresa comprovasse que o reclamante agiu dolosamente, com intenção de ter seus dedos mutilados para pleitear indenização, é que a eximiria de qualquer obrigação, mas não é o caso. Trata-se de acidente típico de trabalho. Nesse sentido, considerando a culpa concorrente, entendo que o valor de R$ 40 mil arbitrado à indenização por danos morais é condizente com a lesão sofrida (Processo n. 176.100-54.2008.5.15.0010 - Edmundo Fraga Lopes - Desembargador Relator).

Diante desse entendimento expressado juridicamente, penso que ficou claro ao Perito Médico que houve ação do Fator Humano. Entretanto, também ficou evidente que, para o juiz, houve ação culposa por imprudência da empresa, posteriormente sanada, o que lhe permitiu não incidir sobre o agente a ação exclusiva, mas sim concorrente, repito, tudo do ponto de vista jurídico, e não necessariamente médico.

Page 114

Portanto, a conclusão do Perito Médico indicando Fator Humano gera a adequada possibilidade de o Magistrado pôr em prática sua ampla liberdade para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT