Relação entre Medicina e Direito Trabalhista - Desvendando a causa e a concausalidade - Enfoque trabalhista

AutorRubens Cenci Motta
Ocupação do AutorMédico - Especialista pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina em Medicina Legal e Perícia Médica, Clínica Médica, Hemoterapia e Medicina do Tráfego
Páginas93-110

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Inicialmente convém esclarecer para os Operadores do Direito que atuam na Justiça Especializada - Trabalhista, objetivamente, que a existência de risco no trabalho, mesmo se classificado como "alto risco", do ponto de vista científico não autoriza indicar que este foi fator de causa ou concausa.

Não há trabalho 100% seguro!

Não há como disponibilizar trabalho sem risco!

Nem tudo pode ser previsto e evitado!

Da mesma sorte, se não há trabalho sem risco, mesmo que se admita que em algumas atividades não exista um risco específico, sempre haverá alguma condição, genérica, associando algum grau de risco sem culpa (negligência, imperícia ou imprudência).

Portanto, não importa o risco ou o grau de risco, mesmo nas atividades classificadas como de baixo risco, mas o que importa é verificar se haviam medidas de controle disponibilizadas e se estas eram suficientes, considerando inclusive que, a simples omissão ou inépcia em disponibilizá-las por si só, também, não autoriza dizer que foi causa ou concausa. Para o Perito Médico, omissão e inépcia, são fatores contributivos que deverão se associar a outros, por exemplo, recorrência de exposição e efeito, para que se possa caracterizar o nexo.

Em todos os casos em que se faz perícia médica, há que se demonstrar os eventos que realmente ligam a ocorrência ao fato, em menor ou maior influência, contudo sem empirismos. Então, interessante considerarmos que a ciência chamada de Ergonomia, muitas vezes, é dita como elemento de causa ou concausa, apenas observando uma - Ergonomia Física, sem nada se considerar sobre as suas outras duas variáveis - Ergonomia Cognitiva e Ergonomia Organizacional, o que é um grave erro. Ademais, sem também considerar que riscos constatados numa destas, em determinados indivíduos, teremos que as outras podem compensá-las e eliminá-las, tornam as alegações dos ditos "erros ergonômicos", simples empirismos. Se for levada em consideração, o conceito deve ser observado dentro do equilíbrio da tríade - Física, Cognitiva e Organizacional, como condição ergonômica suficiente ou insuficiente, fatores que obrigatoriamente associado a outros, poderão ou não contribuir ou agravar problemas de saúde física ou mental deste indivíduo.

Com base nos conceitos já apresentados noutros capítulos - Ver Capítulo 7, sobre causa e concausa, e se juntarmos os aspectos da doutrina médica ao da legislação brasileira, podemos ponderar que o conceito de concausa também se aplica quando se constata o fator contributivo, e não só quando ocorrem agravos. Por serem clássicos, mais representativos do entendimento do ponto de vista de Saúde Ocupacional, e também abrangerem os conceitos jurídicos brasileiros, na prática os conceitos de Schilling37 se renovam e assim devem ser aplicados:

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· Doença Relacionada ao Trabalho Típica - Causa necessária - Doença de Schilling tipo I;

· Doença Relacionada ao Trabalho por Causa contributiva ocupacional majoritária - Doença que além da causa ocupacional, também tem outras causas - Doença de Schilling tipo II;

· Doença Relacionada ao Trabalho por Agravo em doença preexistente ou latente que foi manifestada e/ou necessariamente agravada por ação da condição em que se exerceu um Trabalho decorrente de omissão ou inépcia diante da possibilidade de controle da exposição - concausa - Doença de Schilling tipo III.

No Brasil, reforçado na forma da lei, e não só da técnica médica propriamente dita, vale ressaltar que as lesões degenerativas podem ser afetadas por concausa profissional (tipo de trabalho específico) ou do trabalho (condição genérica), sempre que, direta ou indiretamente, resultarem em lesões ou agravos.

Decreto n. 2.172/97, art. 132

Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do: Art. 131 - as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação de que trata o Anexo II;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que trata o Anexo II.

§ 1º Não serão consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produz incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação constante do Anexo II resultou de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a previdência social deve equipará-la a acidente do trabalho.

Art. 133. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeito deste Capítulo; I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a perda ou redução da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.

8.1. Eventos atípicos - concausa

Os eventos que podem afetar a saúde, chamados de "não típicos" e de "doença relacionada ao trabalho", não têm causa ocupacional direta, mas podem, sim, ser condição decorrente de ação concorrente ou indireta, especialmente e devido à inépcia dos serviços de saúde e segurança - medicina e engenharia ocupacional - diante de exposição inadequada e, subsequentemente, da responsabilidade38 dos seus contratantes - as chamadas juridicamente de Reclamadas - Empregadores.

Nesse sentido, a concausalidade tem, sim, dependência na produção do agravo de resultado sobre a saúde do trabalhador, ou seja, ela pode concorrer - contribuir - para que se manifeste sintomaticamente uma doença, qualquer que seja ela citada ou não no Anexo II do Decreto supra citado, e que esta venha a ser agravada pela relação com o trabalho, devido à contribuição de interferência no mecanismo fisiopatológico em curso, mesmo que seja somente nos mecanismos bioquímicos deflagradores de dor, e embora não se possa bem quantificar estes efeitos, é certo que existem e devem ser prevenidas as recorrências.

Ora, a razão básica da medicina é evitar dor e sofrimento, e isso também é indivisível da Medicina Ocupacional!

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É no sentido da concausalidade que se justificou designar, até na forma da lei - "espírito da lei" -, a obrigatoriedade da ação preventiva de médicos e engenheiros especializados na área da saúde ocupacional. Se assim não fosse, por qual motivo se justificaria designar tão especializados profissionais para a elaboração dos PCMSOs, PPRAs e outros programas preventivos

Afastar eventos de causa, nos dias atuais, não parece algo difícil, visto que muitos manuais existem e podem auxiliar todos a fazê-lo. Todavia, o exercício intelectual máximo do médico e do engenheiro na área ocupacional se faz essencialmente pelo foco da prevenção de agravos ao que é comum a todos os trabalhadores - doença degenerativa e outras de caráter crônico, residindo medidas basicamente na proposta da evitação da concausa quando estes são apenas portadores ou efetivamente estão doentes, mas sem incapacidade laborativa e trabalhando.

A exclusão da concausa não reside na verificação se tais doenças constam em tabelas e relações publicadas por ministérios e órgãos afins. Reside, sim, no mais puro e simples exercício, aprofundado e comprometido, da medicina e da engenharia de segurança, identificando a condição mórbida ou pré-mórbida, determinando providências de afastamento da exposição, determinando adaptações e/ou designando trabalho restrito. Rechaço por incompetência aqueles que meramente atuam no rico mercado dos fornecedores de documentos ocupacionais. Aliás, friso que medicina e engenharia ocupacional são tarefas complexas, difíceis e para poucos, a ponto de se justificarem pelo reconhecimento como especialidade médica, com todas as nuances das outras atividades que compõem este rol de atividades técnicas específicas.

Porém, vale lembrar que a constatação e existência de risco, mesmo que o dito "alto risco", por si só, não autoriza indicar a existência de concausa (nem causa). Há que se constatar a omissão ou inépcia, a exposição recorrente e o agravo para tal indicação.

Para bem entender a concausalidade, basta verificarmos as manifestações de Schilling, com seu devido entendimento de classificação, como anteriormente proposto.

Adotar a doutrina de Schilling como conceito universal é muito oportuno, e é neste sentido que precisa ser entendida, pois, efetivamente, facilita a interlocução entre o técnico e o leigo, e de um para o outro, podendo ser sempre aplicada independente das leis trabalhistas ou previdenciárias de um país.

Um evento classificado, aqui, como concausa médica, será concausa onde quer que se exerça a medicina ocupacional. Aí reside a diferença da concausa médica e da concausa jurídica, e os efeitos jurídicos destas sobre o nexo técnico médico e o nexo jurídico, visto que a segunda varia conforme a sociedade em que se definem as leis.

8.2. Necessária avaliação pericial

Por óbvio, a classificação médica e de engenharia de causa ou concausa não são automáticas, e requerem uma avaliação técnica, quando o caso, perícia médica ou perícia ambiental, todavia, depois da perícia médica, é certo que podemos dizer se o labor foi ou não foi causa das Doenças Ocupacionais Típicas ou Acidente Típico - Schilling I, quando estamos diante de, por exemplo, asbestose ou amputação...

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