A Constituição Federal e o Direito do Trabalho 25 Anos Depois: da Estrutura à Função

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani - Daniel Gemignani
Ocupação do AutorDesembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas - Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas47-53

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"As instituições no Brasil sofrem de artificialismo de origem, nascendo mais por enxerto, do que nutridas pelo solo natural."

Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil

4.1. Introdução

A Revolução Industrial, que teve seu epicentro na Inglaterra, conferiu perspectiva coletiva ao ato de trabalhar e deu visibilidade à questão social. O conflito, que ao longo do tempo se espraiou do local de trabalho para toda sociedade, colocou em cheque a legitimidade de um ordenamento até então direcionado para a proteção do direito de propriedade.

As lutas e revoltas, que agitaram a Europa no século XIX, aportaram no Brasil nas primeiras décadas do século XX e encontraram eco em uma sociedade invertebrada por longos anos de escravidão, em que as relações de trabalho se mesclavam com o pretenso "direito" de vida e morte que uma parte tinha sobre a outra.

Diversamente do que ocorreu com as Cartas Políticas anteriores, a Constituição de 1934 reconheceu a relevância da questão social. Por isso, além da declaração de direitos e garantias individuais, acrescentou um capítulo sobre a ordem econômica e social, sob notória influência da Constituição alemã de Weimar. Apesar do retrocesso da Carta outorgada de 1937, a Constituição de 1946, promulgada após o término da II Guerra Mundial, vai retomar esta vertente de proteção aos direitos sociais.

A Constituição de 1967 sofreu notória influência da Carta de 1937, priorizando as questões afetas à segurança nacional, mas albergou também direitos sociais e trabalhistas. Dois anos depois, passou por modificações profundas com a Emenda Constitucional de 1969.

A Nova República levou à promulgação da Carta Política de 1988, a "Constituição Cidadã", que assegurou em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a promover

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o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, em uma sociedade alicerçada sobre o trabalho como valor, assim alçando os direitos sociais e trabalhistas entre os fundamentais para sua sustentação.

Um século depois da abolição da escravatura em 1888, dá um giro copernicano de alto impacto, abrindo caminho para superar o artificialismo de origem de nossas instituições.

Não é pouca coisa.

4.2. A evolução

Os efeitos irradiantes da Constituição Federal logo foram absorvidos pelo sistema, como evidenciou o Código Civil de 2002, ao caminhar nesta nova senda quando instituiu o combate à onerosidade excessiva e ao enriquecimento sem causa e reconheceu o estado de perigo como defeito do negócio jurídico, colocando na centralidade do direito obrigacional conceitos como boa-fé objetiva, função social da propriedade e dos contratos.

Importante pontuar que os embriões destes conceitos já vinham despontando desde os primórdios do direito trabalhista, quando atrelava o patrimônio empresarial como garantidor do contrato de trabalho e criava solidariedade jurídica atípica no art. 2º da CLT, traçava limites ao poder diretivo do empregador, preservava a irredutibilidade dos salários e impedia a dilação excessiva da jornada e a supressão dos intervalos para repouso e alimentação.

Como reconheceu nossa Carta Política de 1988, a gênese do direito do trabalho está marcada por esta perspectiva de libertação, por um compromisso com a emancipação cidadã pelo trabalho, caminhos cuja preservação se revela imperiosa no presente, para que possamos alcançar um desenvolvimento sustentado no futuro, conceito definido pelo ganhador do prêmio Nobel Amartya Sen52 como um processo de expansão das liberdades substantivas dos cidadãos.

Para o nosso direito, longe de aprisionar o homem no reino da necessidade, como a antiga mentalidade escravocrata apregoava, o trabalho se constitui numa porta de acesso à liberdade, pois é por meio dele que o cidadão consegue prover sua subsistência com dignidade.

Mas não é só.

4.3. Os novos desafios

Ao instituir o trabalho como valor fundamental de um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 superou também sua esfera contratual/individual, explicitando o escopo de resgatar a legitimidade da atuação coletiva dos corpos intermediários, notadamente pela representação sindical, estabelecendo o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como um dos direitos fundamentais, a ser admitido também quanto às questões afetas ao salário e à jornada, como dispõem os incisos VI, XIII, XIV e XXVI do art. 7º.

Assim, chamou atenção para a necessidade de abrir maior espaço jurídico para a implementação do valor institucional do agir coletivo.

Tocou num vespeiro.

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Rios de tinta, papel e saliva foram gastos na tentativa de equacionar o novo modelo do "negociado/ legislado".

Discussões intermináveis e inconclusivas tentaram apontar alternativas para o modelo sindical corporativo/estatal, num momento em que a sociedade mostrava sua crescente, e impaciente, demanda por legitimidade de representação.

Como contraponto à matriz individual, veio indicar em seu art. 7º que na sociedade contemporânea, complexa e interconectada, os direitos fundamentais se apresentam cada vez mais imbricados com os princípios da socialidade e solidariedade devendo, assim, alçar novos horizontes.

Nesse contexto, oportunas as reflexões de Boaventura de Souza Santos53, ao observar que das três instâncias de regulação: Estado, mercado e comunidade, esta foi a mais negligenciada, por longo...

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