Decadência e prescrição

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada, Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR e PUC/PR
Páginas772-795

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1. Decadência - caput do art 103 da lei n. 8.213/91
1.1. Histórico

Antes de adentrarmos no mérito das discussões existentes sobre o prazo de "decadência", é importante fixarmos que até a data de 27.6.1997 a legislação previdenciária não trazia qualquer previsão sobre o prazo para revisão dos benefícios previdenciários. Era a redação original do art. 103 da Lei n. 8.213/91 a seguinte:

Art. 103. Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes.

Assim, o entendimento à época vigente era de que o segurado, verificando qualquer irregularidade no ato de concessão de seu benefício (ou indeferimento), poderia solicitar seu direito a qualquer tempo, tanto na esfera administrativa quanto judicial. Havendo êxito no pedido, o INSS procederia à correção solicita, mas pagaria eventuais diferenças devidas somente dos últimos 5 anos. Confira-se, nestes termos, a redação da Súmula 85 do STJ, publicada em 2.7.1993:

"Súmula 85 - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquenio anterior a propositura da ação."

Em 28.06.1997 foi publicada a Medida Provisória n. 1.523-9 que, alterando a redação do art. 103 da Lei n. 8.213/91, passou a fixar um prazo de 10 anos para as revisões, denominando-o "prazo de decadência". Confira-se:

"Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil

Referida Medida Provisória foi reeditada meses seguidos, até sua conversão na Lei n. 9.528/97 (DOU de 11.12.1997), a qual manteve a redação do art. 103 na forma proposta.

Em 23.10.1998 foi então publicada a Medida Provisória n. 1.663-15, alterando novamente a redação do art. 103 da Lei de Benefícios, reduzindo o prazo de revisão para 5 anos. In verbis:

Art. 103. É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

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Esta Medida Provisória (1.663-15) foi convertida na Lei n. 9.711 no mês seguinte (DOU de 21.11.1998), que manteve o prazo de 5 anos no art. 103.No entanto, há aqui um detalhe importante, que me passou desapercebido na edição anterior dessa obra: o art. 30 da Lei n. 9.711/98 convalida os atos praticados com base na MP 1.663-14, e não da MP 1.663-15, mas o art. 24 do mesmo diploma legal, ao alterar os artigos da Lei n. 8.213/91, coloca no art. 103 a mesma redação disposta na MP 1.663-15 (prazo de 5 anos para as revisões). Ora, a lei, ao convalidar os atos da MP 1.663-14, nos leva a concluir que a redução do prazo de revisão para 5 anos não pode ter início em 23.10.1998, mas sim em 21.11.1998, que é a data de publicação da própria Lei n. 9.711.

No entanto, exatos 5 anos depois, em 20.11.2003, o Governo Federal se rendeu às pressões políticas e populares (alguns aposentados faleceram em filas do INSS, tentando solicitar revisão de seus benefícios) e publicou a Medida Provisória n. 138, alterando novamente a redação do art. 103 da Lei de Benefícios e voltando a fixar o prazo de 10 anos para o ato revisional.

A Medida Provisória n. 138 foi convertida na Lei n. 10.839/2004 (DOU de 6.2.2004) e a redação por ela conferida ao art. 103 permanece até os dias atuais. Confira-se:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

Temos, portanto, e em resumo, o seguinte histórico:

· Até 27.6.1997: não havia prazo

· De 28.6.1997 a 20.11.1998 (MP 1.523-9 e Lei n. 9.528/97): prazo de 10 anos

· De 21.11.1998 a 19.11.2003 (MP 1.663-15 e Lei n. 9.711/98): prazo de 5 anos

· A contar de 20.11.2003 (MP 138/2003 e Lei n. 10.839/2004): prazo de 10 anos

Confira-se, por fim, a redação da Súmula 64 da TNU, aprovada em 08/2012:

"Súmula 64 - O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos."

1.2. Natureza jurídica do prazo fixado no caput do art 103 da Lei n. 8.213/91 - Prazo de prescrição, e não prazo de decadência

Não obstante o legislador tenha denominado o prazo como sendo de "decadência", entendo tratar-se, em verdade, de prazo de prescrição e esta diferença é extremamente relevante para analisarmos o direito dos segurados. Explico.

O vocábulo "decadência" tem origem no latim cadens, de cadere, que significa cair, perecer, cessar, deixar de existir, morrer. No âmbito jurídico, significa o perecimento (extinção) de um direito quando o interessado deixa de solicitá-lo no prazo fixado pelo legislador. Não há ato de terceiro, apenas a inércia do próprio titular do direito que, negligentemente, deixa de exercê-lo no prazo fixado para tal.

Podemos exemplificar com o benefício de auxílio-doença. A Lei n. 8.213/91, arts. 59 e seguintes, possibilita ao segurado do RGPS a percepção do benefício de auxílio-doença quando da existência de incapacidade laborativa. Referido benefício, contudo, deve ser requerido ao INSS durante a incapacidade. Se o trabalhador é acometido de enfermidade e se espera se curar totalmente

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para, depois, requerer o benefício junto ao INSS, não mais terá direito de recebê-lo, porque deixou de solicitar a referida prestação no prazo fixado pelo legislador. Note-se que o direito existia, mas pereceu em decorrência da inércia, ou seja, da falta de ação do segurado.

Para falarmos de decadência, portanto, é preciso que o segurado não tenha exercido o direito em si, já que esta se refere à inércia quanto ao exercício do próprio direito.Se o direito foi exercido pelo segurado e se o que se pretende é sua modificação ou correção, não estamos falando de decadência, mas sim de prescrição.

Parece confuso, mas não o é. Na esfera previdenciária, mais precisamente quanto à redação do art. 103, o direito refere-se ao benefício previdenciário, que é concedido mediante requerimento do segurado. Se existe um prazo ou um momento certo para o requerimento/solicitação desse benefício, estamos falando de prazo de decadência.

Além do exemplo acima citado (auxílio-doença) também podemos ilustrar com o salário maternidade. A Lei 8.213/91 não fixa o prazo para seu requerimento, mas o art. 305 da Instrução Normativa INSS n. 45/2010 fixa o prazo de 5 anos. Confira-se:

"Art. 305. O salário maternidade poderá ser requerido no prazo de cinco anos, a contar da data do parto, observado o prazo decadencial conforme art. 441."

Sem adentrarmos no mérito de uma Instrução Normativa fixar um prazo que não consta da lei ordinária (extrapolando sua função regulamentar e normativa33) e, portanto, se considerarmos válido o prazo de 5 anos para o exercício do direito, podemos afirmar tratar-se de prazo decadencial. O direito ao salário maternidade existe para todas as seguradas, mas a segurada precisa solicitar/ requerer este benefício em até 5 anos, contados da data do parto. Se não o fizer dentro desse prazo, não mais existirá o direito em si, tendo este perecido em razão da inércia da segurada.

Tendo o segurado exercido seu direito e requerido o benefício, o que quer que seja discutido depois ensejará o prazo de prescrição.Se o benefício foi, por exemplo, calculado com tempo a menor ou com valores equivocados, sua correção precisa ser solicitada ao INSS, mediante uma ação do segurado, seja esta ação exercida na esfera administrativa ou judicial. O prazo para o exercício dessa ação (protocolo de um recurso administrativo ou ingresso de uma ação judicial) refere-se, pois, a um prazo de prescrição, e não de decadência.

O objeto da decadência é o "exercício do...

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