Da doação

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17. 1 Conceito e características

Vejamos um exemplo que foi publicado pela Revista dos Tribunais, volume 415, p. 136: Certo pai doa aos filhos o único imóvel que possui, embora seja avalista em uma nota promissória. A liberalidade ocorre anteriormente ao vencimento do título, e este, vencido, não é pago pelo emitente devedor.

O Tribunal decidiu que, "não pratica fraude ao credor o avalista que, antes do vencimento do título, faz doação de seu único imóvel aos filhos".

Sem entrarmos no mérito do acórdão, verificamos que houve um ato pelo qual o pai, ora designado doador, transferiu, por liberalidade, um bem de seu patrimônio aos filhos, estes denominados donatários. Esses elementos encontram-se na definição estampada pelo art. 538 do CC, in verbis:

"Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra".

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A doação, por ser um contrato, exige como elemento imprescindível para a sua formação, a aceitação, tanto que, o Código Civil de 1916, ao defini-la no seu art. 1.165, contendo a regra do atual artigo 538, ipsis litteris176, terminava com a locução "que os aceita". Mas a aceitação também pode ser tácita e até presumida. Veja o que dispõe o art. 543 do CC, in verbis: "Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura". Portanto, o silêncio implica aceitação da liberalidade, desde que - repita-se - trate-se de doação pura. Se ocasionar gravame ao incapaz, um encargo, por exemplo, não será válida a doação. Outra situação que indica ser a aceitação presumida, não expressa, está no art. 539 do CC, in verbis: "O doador pode fixar prazo ao donatário para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo". Por conseguinte, o silêncio do donatário presume a aceitação.

Sendo um contrato, a doação gera direitos pessoais, pois ele faz nascer para o doador a obrigação de entregar a coisa doada. Enquanto não houver a entrega, permanece a doação como contrato de efeitos pessoais, tendo o donatário o direito de exigir a entrega efetiva da coisa. Oportuno transcrever a lição de Orlando Gomes sobre o assunto em tela: "Se a doação é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio, bens ou vantagens para o de outra, que os aceita, poder-se-ia colher a falsa impressão de que, pelo contrato, se transfere a propriedade dos bens doados, mas na realidade não produz esse efeito". Continua: "A propriedade do bem doado somente se transmite pela tradição, se móvel, ou pela transcrição, se imóvel. O contrato é apenas o título, a causa da transferência, não bastando, por si, para operá-la. Nesse sentido é que se diz ser a doação contrato translativo do domínio. São obrigacionais os efeitos que produz. O doador obriga-se a transferir do seu patrimônio bens para o do donatário, mas este não adquire a propriedade senão com a tradição, ou a transcrição. Entre nós, o domínio das coisas não se adquire solo consensu, regra válida tanto para a compra e venda e a permuta, como para a doação".177Por conseguinte, o contrato de doação visa transferir gratuitamente a propriedade da coisa doada. Por isso, o contrato de doação é consensual e não real; o doador assume a obrigação de transferir o domínio da coisa e, desde o momento em que firma o acordo de vontade com o donatário, o contrato está feito, ainda que a coisa não seja entregue, no caso de o objeto da liberalidade ser um bem móvel. Somente com a execução, opera-se a saída do bem doado de um patrimônio para integrar-se a outro, concretizável pela tradição real, para os móveis, ou o registro, para os imóveis. Portanto, a res deve existir e pertencer ao doador por ocasião do contrato, não se admitindo doação de coisa alheia. "Eventual promessa pode ensejar arrependimento entre a vontade manifestada e o ato de doar. Impossibilidade de execução forçada - decidiu o tribunal - para subsistência do ato" (in RT 699/55).

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Insiste-se, segundo a nossa sistemática, que o simples instrumento de doação, mesmo através de instrumento público, não transfere, por si só, o domínio da coisa doada. É necessário a tradição real, para os móveis, ou o registro, para os imóveis.

Vale, ainda, sobre o tema em evidência, salientar preciosa lição do Prof. Carlos Alberto Bittar: "Tem o donatário direito a exigir o cumprimento, mas, de outro lado, como se trata de contrato benéfico, não se sujeita o doador à evicção, nem a vícios redibitórios, nem a juros de mora pelo atraso (salvo no dote constituído de má-fé)".178

17. 2 Aceitação

Sendo a doação um contrato e não um ato unilateral, exige-se, para a sua constituição, o consentimento de ambas as partes. De um lado o animus donandi específico indicado pelo doador (vontade de beneficiar o donatário) e, de outro, a aceitação do donatário. A troca de consentimento das partes é, pois, o elemento indispensável à formação do contrato de doação, assim como, aliás, de todos os contratos.

Mesmo no caso de uma dádiva a filho menor impúbere, ou que está para nascer, é necessária a aceitação por seus pais, desde que se trate de doações puras, sem encargos ou condições (CC, art. 543179). "A doação feita ao nascituro valerá, - diz o art. 542 do CC - sendo aceita pelo seu representante legal". Porém, não nascendo com vida, a doação se extingue.

Basta, pois, o simples consentimento mútuo entre as partes para o contrato de doação se aperfeiçoar e gerar obrigações apenas para o doador, que transfere o domínio da coisa doada sem visar nenhuma contraprestação pecuniária.

Como acontece em todas as espécies de contrato, verifica-se que o doador expressa, primeiro, a sua vontade de doar (animus donandi), porque, para a formação dos contratos em geral, não podem as duas vontades ser manifestadas e aceitas ao mesmo tempo; uma das partes sempre expressará a sua vontade em primeiro lugar, cabendo, logo após, ou com pequeno intervalo, a manifestação da outra. A aceitação é, pois, a segunda fase da formação do contrato, ocasião em que ele se reputa perfeito. Já a transferência do domínio, segundo a nossa sistemática - repita-se - não é feita por ocasião da assinatura do contrato, sendo este um simples

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instrumento de doação, mesmo que através de instrumento público, não transfere, por si só, o domínio da coisa doada. É imprescindível a tradição real, para os móveis, e o registro, para os imóveis.

A aceitação pode ser expressa ou tácita. No primeiro caso, o donatário manifesta seu desejo de receber o benefício de modo expresso (por palavra oral ou escrita). No segundo caso, a aceitação fica subentendida pelo silêncio do interessado. Por exemplo, se o doador fixar um prazo ao donatário para declarar se aceita ou não a doação e, dentro desse prazo, o donatário não faz qualquer manifestação, permanecendo em silêncio, a lei entende que aceitou tacitamente a doação. Reprisa-se o conteúdo do art. 539 do CC, que é de clareza meridiana: "O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo".

Observa-se que essa situação só é possível nas doações "puras", ou seja, naquelas que não trazem encargos nem tampouco condições; nas "modais", isto é, nas doações acompanhadas de encargo, a aceitação tem que ser expressa.

17. 3 Classificação do contrato de doação

Sendo a doação um contrato mediante o qual uma pessoa, denominada doador, se obriga a transferir, gratuitamente, a outra, o domínio de certa coisa suscetível de alienação, verifica-se que o contrato é:

Consensual, pois se forma pela simples manifestação da vontade das partes;

Unilateral, porque o contrato tem obrigação exigível somente para uma das partes: o doador;

Gratuito, em virtude de gerar benefício ou vantagem real apenas para o donatário, pois há uma diminuição real do patrimônio do doador e um efetivo aumento para o donatário. A gratuidade é a característica marcante da doação;

Solene, em regra, porque deve obedecer à forma prescrita em lei, mas pode não ser solene por exceção, quando o objeto do ato de benemerência for móvel e de pequeno valor, desde que seguido pela tradição imediata. É o que se extrai da dicção textual do parágrafo único do art. 541 do CC, in verbis: "A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição".

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17. 4 Formas de doação

Chamam-se formas de doação as maneiras pelas quais esta se realiza. Assim, há casos em que a validade do contrato depende de formas especiais estabelecidas por lei. O Código Civil brasileiro, referindo-se às formas de doação, no seu art. 541, determina, in verbis:

"A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular".

  1. Por escritura pública, podem ser doados os imóveis de valor acima daquele previsto pelo art. 108180. Coroa bem esse princípio, a ementa de um acórdão do TJSP: "Não se discute que a escritura pública, como regra, é da essência dos contratos translativos de direitos reais, conforme disposto no art. 134, II (novo, art. 108), do CC, porém, o legislador civil admitiu, no art. 1.581 (novo, art. 1.806) do mesmo Codex, a possibilidade de renúncia por termo nos autos, que pode ser feita validamente em favor de terceiro. Dentro desse quadro, é possível admitir que a...

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