Da novação

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas270-284

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21. 1 Conceito e generalidades

"A novação caracteriza-se pela constituição de uma nova obrigação, diferente da primeira, que se opera entre credor e devedor, para a substituição e extinção da dívida anterior" (in RT 792/349).

É comum a seguinte situação: Locador e locatário, durante o transcorrer do contrato de locação, sem o conhecimento e a concor-dância do fiador, realizam a majoração substancial do aluguel, em percentual superior ao dos parâmetros legais e contratuais, e até superior ao dos patamares do mercado.

Em face desta alteração obrigacional, ajustada apenas entre locador e locatário, pode o fiador considerar-se alforriado da respon-sabilidade da fiança?

Com o surgimento de uma nova dívida, uma nova obrigação, substituindo a antiga, tem-se que os acessórios e garantias que acompanham o principal, perecem. É o caso da fiança. "Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal" (CC, art. 366).

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Vale dizer, a novação importa na extinção da obrigação primitiva e, conseqüentemente, também, das obrigações acessórias, exonerando, por conseguinte, o fiador. "A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário" (CC, art. 364). Confira-se pelo seguinte aresto: "A majoração do locativo não prevista em cláusula específica e a mudança da periodicidade dos reajustes configuram novação, eis que alteram o conteúdo do contrato de locação, afetando, diretamente, o contrato acessório de fiança. Não se pode falar em obrigação perpétua do fiador, contra a sua vontade, ainda que o contrato tenha sido firmado por prazo indeterminado. A novação sem o consentimento do fiador o exonera da obrigação assumida" (in RT 746/194).

Dá-se a novação, nos termos do artigo 360, nº I, do Código Civil, "quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e subs-tituir a anterior". Como define Clóvis Beviláqua, "Novação é a convenção de uma dívida em outra para extinguir a primeira".204"É a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira e, em seu lugar, surge a nova".205Caio Mário da Silva Pereira leciona que a novação pode ser conceituada "como a constituição de uma obrigação nova, em substituição de outra que fica extinta".206"Tendo o credor levado a efeito novação da dívida com o devedor principal sem a necessária anuência do fiador, fica este exonerado da fiança até então assumida" (in RT 575/196).

Outra situação foi decidida pelo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul (TARS): O locatário, ao entregar as chaves, apresenta um cheque e duas notas promissórias como pagamento da dívida. Como o credor aceitou os títulos de crédito subscritos pelo devedor principal, fez extinguir a dívida. Portanto, tal situação importou na exoneração do fiador devido à uma novação feita sem o consenso deste (in RT 455/240). Evidentemente, se o credor desejasse a vinculação do fiador na nova obrigação contraída pelo afiançado, deveria exigir o respectivo aval, por ser esta uma forma de garantia peculiar ao Direito Cambial.

Questão que tem provocado largo debate é a de saber se a prorrogação de prazo para o pagamento da dívida constitui novação. O Tribunal já decidiu que o "fiador fica exonerado da garantia que prestou se a dívida é prorrogada sem o seu consentimento" (in RT 673/162).

Carvalho de Mendonça ensina "que a espera de pagamento não constitui novação".207O TJSP já decidiu que "não há novação quando é feita

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simples redução do montante da dívida ou quando o credor tolera pagamento em prestação" (in RT 485/51). Orosimbo Nonato escreve, a propósito: "simples alterações externas, que não incidem em elementos essenciais ou íntimos da obrigação, não traduzem novação. Sem a substituição da obrigação nova, inexiste novação objetiva".208

Como a novação implica na constituição de nova dívida para extinguir ou substituir a anterior, parece-nos que a simples prorrogação não significa novação da obrigação, porque esta continua a mesma. "Não implica novação, nem gera a idéia de acordo envolvendo toda a dívida, o fato de ter o devedor pago alguns títulos à mesma credora com atraso significativo quanto aos vencimentos" (in RT 587/115).

E a moratória concedida pelo senhorio ao locatário sem ouvir o fiador?

O artigo 838, I, do Código Civil, dispõe:

"O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor".

Moratória, para Clóvis Beviláqua, é a espera, a concessão de prazo ao devedor, após o vencimento da dívida.209"Entabulado negócio entre locador e locatária para limitação da dívida até a entrega das chaves, o fiador fica exonerado quanto a danos emergentes do descumprimento do ajuste celebrado sem seu consentimento, restando caracterizada a moratória prevista no inciso I do art. 1.503 (novo, art. 838) do CC" (in RT 722/199).

Mas, a maioria dos doutrinadores distingue a moratória da simples tolerância. Veja Pontes de Miranda: "Se o credor espera sem se vincular, a não pedir dentro do prazo, há tolerância e não moratória. O acordo de espera, o pacto de non petendo em tempos, entra no mundo jurídico, é negócio jurídico bilateral e pode haver declaração unilateral de vontade do credor, que lhe cria a vinculação de não pedir dentro de determinado prazo ou até algum acontecimento. O ato de tolerância não entra no mundo jurídico, permanece no mundo fático. A relação jurídica entre o credor e o devedor quanto a esse acordo ou quanto ao ato unilateral da tolerância é de ordem moral ou de ordem econômica ou política, e não de ordem jurídica".210

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O TJRS, decidindo questão entre fiador e senhorio, assim o fez: "Na ausência de qualquer pacto moratório, a tolerância que se poderia admitir configurada na espécie não corresponde à moratória nos termos do artigo 1.503, nº I, do Código Civil. E se não satisfaz ao suposto legal, não desonera o fiador, de acordo com o comando do mesmo artigo" (in RT 472/199). O TASP decidiu certa vez que "se na ação de despejo por falta de pagamento, o locador concede moratória ao locatário, à revelia do fiador, fica este exonerado da fiança" (in RT 463/137).

Digno de menção, significando novo acordo determinante de iliquidez do saldo, é o pagamento parcial de duplicata após o vencimento e respectivo protesto. Se o credor, por exemplo, pedir falência do devedor sem ressalvar o recebimento anterior, não obterá êxito, por força do artigo 4, nº VIII, da Lei de Quebra que dispõe: "A falência não será declarada se a pessoa contra quem for requerida provar:... qualquer motivo que extingue ou suspenda o cumprimento da obrigação, ou exclua o devedor do processo da falência".

Waldemar Ferreira, examinando o artigo supra, esclarece que não tendo a Lei de Falência capítulo especial sobre as causas que podem extinguir as obrigações, cuidou destas o Código Civil Brasileiro, no capítulo dos efeitos das obrigações e o fez em capítulos distintos e sucessivos. São eles: o do pagamento por consignação; o do pagamento por sub-rogação; o da dação em pagamento; o da novação; o da compensação; o da transação; o do compromisso; o da confusão e o da remissão das dívidas.211Essa opinião é esposada por outros renomados comercialistas como Miranda Valverde, Carvalho de Mendonça, bem como pela jurisprudência (in RT 467/97, 446/110, 433/135). A propósito, o TJSP decidiu certa vez que o "acordo entre credor e devedor para sustar andamento de pedido de falência suspende o cumprimento da obrigação e constitui razão para a falência não ser decretada (in RT 433/135), ou "não se declara a falência se houve novação da obrigação e dilação do vencimento" (in RT 449/113).

21. 2 Espécies de novação

O Código Civil, através do seu artigo 360, mostra a existência, na realidade, de duas espécies de novação: a) pela mudança do objeto da prestação, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior - trata-se da novação objetiva; b) pela mudança do credor

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ou do devedor, quando o novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor, ou, em virtude da obrigação nova, ocasião em que o credor é substituído pelo antigo, ficando o devedor quite com este - é a novação subjetiva. O art. 360 do CC proclama essas duas espécies, in verbis:

"Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este".

21.2. 1 Novação objetiva

A novação pode-se referir ao objeto da prestação. Quando, pela novação, há a mudança do objeto da prestação, ela denomina-se objetiva ou real. Altera-se apenas o objeto da obrigação, ficando o mesmo credor e o mesmo devedor. Por exemplo, se a dívida era em dinheiro e o devedor entrega um determinado bem no seu lugar, e o credor aceita, a obrigação ficará extinta. "Ocorre a extinção da fiança - decidiu o tribunal - se o credor, sem a participação do fiador, recebe nota promissória do afiançado, configurando novação objetiva" (in RT 554/147).

21.2. 2 Novação subjetiva

A novação subjetiva é passiva ou ativa, isto é, ou se refere à pessoa do devedor, ou é relativa à pessoa do credor.

  1. PELA MUDANÇA DO DEVEDOR:

    A novação subjetiva passiva pode ocorrer sem o consentimento do devedor. "A novação por substituição do devedor - diz o art. 362 do CC - pode ser efetuada independentemente de consentimento deste".

    Se isso acontecer, teremos o caso de expromissão212, pelo qual um terceiro se apresenta espontaneamente ao credor, para liberar o antigo devedor,

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    sendo aceito por aquele. "É uma forma que...

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